O que é um homem? É com esta questão que a antropóloga em estreia na realização Céline Pernet inicia o seu documentário “Garçonnières”, um estudo sobre a figura masculina numa era onde termos como “masculinidade tóxica”, “sociedade patriarcal” e “feminismo interseccional” ganharam uma dimensão reforçada, especialmente depois dos movimentos #MeToo e #Times Up fazerem as manchetes e trazerem uma nova vaga (que não se via desde a década de 1970) de reivindicações. 

Pernet, que à partida nos informa que foi cliente assídua das apps de relacionamentos, mas precisava entender melhor como realmente as conexões se formam, senta-se literalmente – frente a frente – com várias dezenas de homens, enquanto paralelamente visita com a sua câmara, sempre num registo observacional, vários espaços onde predomina a presença de pessoas do sexo masculino.

O resultado é uma reflexão sobre expectativas e realidades em torno do conceito de homem, da “supremacia” à “invisibilidade“, como alguém diz a certo ponto, vagueando-se pela postura destes perante as relações amorosas ou casuais, o mundo do trabalho, as saídas nocturnas, a sua primeira vez em termos de sexo, o ego  e até os cuidados que têm com o corpo.

É inevitável, até pela proximidade do seu lançamento, fazer uma ligação mental entre este filme e “Mutzenbacher”, projeto de Ruth Beckermann lançado em Berlim que, com a desculpa de um casting, convoca homens com idades entre os 16 e 99 anos para lerem passagens e falarem das situações presentes em “Josephine Mutzenbacher”/ “The Story of a Viennese Whore, as Told by Herself” (A História de uma prostituta Vienense, contada pela própria), um romance erótico, tão famoso como escandaloso, publicado pela primeira vez anonimamente em 1906. Ambos os filmes, direta ou indiretamente, têm pontos de contacto, especialmente no que concerne ao  “olhar no masculino” (aquela coisa que chamamos “male gaze“) e a tal toxicidade, proveniente da ideia do sexo masculino ser o dominante, o líder da família e cabeça do casala.

Genericamente, todos os temas abordados pelos homens neste documentário demonstram que necessitavam  de uma maior exploração e estudo, especialmente nos temas associados à pressão generalizada que todos eles dizem sentir pelas expectativas que a sociedade coloca neles, e que vão desde ao ter de ganhar mais dinheiro que a mulher, o suspender a sua busca de prazer para dar (forçosamente) ele esse prazer a/ao parceiro, ou como um homem negro explica a certo momento, ter de corresponder sexualmente ao cliché da máquina sexual associada aos homens com o seu tom de pele. 

No final, eis um documentário que levanta mais questões que fornece respostas, o que neste caso representa um triunfo para a jovem cineasta, que nunca deixa ela mesmo de responder a algumas das próprias perguntas que faz, dando assim alguma frescura e dinamismo à interação que tem com os entrevistados.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
garconnieres-o-que-e-um-homemUm documentário que levanta mais questões que fornece respostas, o que neste caso representa um triunfo para a jovem cineasta