Seja em “O Pianista”, “J’accuse – O Oficial e o Espião” ou “O Hotel Palace”, Roman Polanski sempre mostra o lado mesquinho e desumano das massas. Mas se as vias de facto cinematográficas do franco-polaco sempre tendem para o drama no relato de episódios históricos trágicos, no seu mais recente filme é a farsa a forma escolhida para mais uma vez falar da decadência moral humana.

Estamos em 1999, na véspera do ano novo, num hotel em Gstaad, uma vila suíça na parte germanófona do Cantão de Berna. Aí, uma massa desprezível de personagens com tanto dinheiro e cirurgias plásticas como poucos escrúpulos, acumula-se no meio da abundância para celebrar a passagem de ano. Entre muitos outros, encontramos Arthur William Dallas III (John Cleese), um texano milionário nonagenário que celebra, com a sua esposa de 22 anos (Bronwyn James), um ano de união; uma marquesa (Fanny Ardant) e o seu pequeno cão, incapaz de defecar na neve; o Dr Lima (Joaquim de Almeida), um cirurgião plástico que reencontra no local muitas das suas pacientes; Bongo (Luca Barbareschi), um ex-ator porno; e Bill Crush (Mickey Rourke), um vigarista que espera que o bug do milénio (Y2k) o ajude a fazer uma trafulhice, para a qual também convoca um auditor bancário (Milan Peschel).

A esta paisagem desoladora de figuras juntam-se ainda um alegado filho de Bill (Danny Exnar) e a sua família, vindos de uma cidadezinha checa para serem desprezados pelo norte-americano que parece parente de Trump, além de um grupo de gangsters que carregam malas cheias de valores que irão ser recolhidas pelo embaixador russo na Suíça (Ilia Volok). E também encontramos por lá um pinguim a vadiar pelo hotel, após ter sido deixado sem supervisão pelos seus proprietários, Dallas III e esposa, Magnólia.

E enquanto se vive com histeria os últimos momentos de 1999, anuncia-se na TV a chegada de tempos com nova esperança e de um novo líder de uma potência mundial. Quem o anuncia é o presidente da Federação Russa da época, Boris Yeltsin, que introduz o novato Vladimir Putin como o seu sucessor, o qual promete, para o novo milénio, um novo foco na liberdade. Enquanto se espera pelo ano 2000, com receios de fim do mundo, será Hansueli (Oliver Masucci), o gerente do hotel, que tem de lidar com todos os caprichos destes hóspedes , mesmo que nas suas tarefas esteja o esconder uma morte até à meia-noite.

Uma cena de “O Hotel Palace” que nos traz à memória “Weekend at Bernie’s” (Fim de Semana com um morto)

Escrito por Polanski (juntamente com Ewa Piaskowska e Jerzy Skolimowski), a partir das próprias experiências de estadia em Gstaad e das pessoas que aí conheceu, “The Palace” capta uma energia muito particular de um grupo de privilegiados – entregues ao hedonismo – que desprezam tudo o que os rodeia. E nesta viragem do milénio, todos eles são capazes de provocar gags individuais que, num efeito bola de neve, se acumulam e servem um filme por inteiro dedicado à crítica coletiva à sua frivolidade.

Por isso mesmo, e mesmo com o amontoar de piadas, muitas vezes fáceis e fúteis, que facilmente poderiam fazer do filme um objeto de sketchs sem consistência, Polanski consegue fazer com graça e relevância uma crítica social, política e moral global, mostrando que nada (ou muito pouco) mudou do ano/milénio velho para o novo e que continuamos numa rota imparável para a decadência.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
o-hotel-palace-uma-lupa-sobre-a-mesquinhezPor isso mesmo, e mesmo com o amontoar de piadas, muitas vezes fáceis e fúteis, que facilmente poderiam fazer do filme um objeto de sketchs sem consistência, Polanski consegue fazer uma crítica social, política e moral global