Do Norte ao Sul da América, passando pelo Centro, Lisandro Alonso levou até Cannes o seu “Eureka”, três filmes complementares unidos num só, que acompanham os desafios encontrados das culturas indígenas em diferentes regiões do continente americano.

Transicionando de um western a preto-e-branco – com Viggo Mortensen como um cowboy que, num povoado decadente do Oeste, procura a filha, mas que encontra pelo caminho resistência – para uma cidadezinha nos EUA, na reserva indígena Lakota Sioux do Dakota do Sul, o cineasta responsável por filmes como “Los Muertos” e “Jauja” oferece-nos a primeira surpresa do puzzle em três atos, jogando com realidade e ficção, cinema e tv. 

Nessa cidade dos EUA, durante um grande nevão capaz de gelar os ossos de uma documentarista francesa cujo o carro avariou à beira da estrada, o foco da lente do argentino é colocado na agente da polícia que vai em seu socorro, e na sua sobrinha, uma treinadora de basquetebol conhecida por “Magic Johnson”. Enquanto seguimos o quotidiano e as rotinas laborais dos assimilados pela cultura branca, Lisandro prepara progressivamente a chegada de um thriller nervoso, isto mal começam as rondas habituais da polícia por entre habitações degradadas, bares manhosos e casinos problemáticos. 

Alaina Clifford e Sadie Lapointe enchem as suas personagens de carisma neste universo marginalizado entre o abandono e o esquecimento, ainda que sendo manifestamente dependentes emocionalmente uma da outra. Nesse aspeto, é curiosa a forma como Lisandro joga com as condições atmosféricas e arquitetura dos espaços neste local, como que cercando as personagens num mar de claustrofobia e poucas oportunidades de serem mais que aquilo que lhes está destinado.

Derradeiramente e num terceiro ato, a ação expande-se para um território indigena algures entre o Brasil e outros países da região, onde será agora o naturalismo a comandar operações, ainda que de trás venha (mais uma vez numa transição) o realismo mágico anexado à cultura indígena, na forma de uma transformação humana em animal.

Se conceptualmente o filme é um primor, os resultados individuais dos diferentes“segmentos”, dos “três filmes”, são bastante diferentes, com clara supremacia da história passada no Dakota do Sul, em todos os campos. Este desequilíbrio narrativo, estético e de profundidade sente-se particularmente no último terço, quando somos inundados por frases de conexão indígena à terra, associados a alguns momento chave da expansão branca, algo que tantas vezes já vimos recentemente (Chuva é cantoria na aldeia dos mortos.; A Última Floresta, etc).

Consta que no Festival de Cannes, Lisandro Alonso chegou mesmo a confrontar – durante a estreia -. Thierry Frémaux pelo posicionamento do filme na secção Cannes Première, e não na competição à Palma de Ouro. A crítica a Cannes tem sentido, mesmo que que este não seja um filme certeiro em tudo o que pretende alcançar. O que existe é uma forma de fazer cinema única, e uma relevância social e política atual absolutamente extrema.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
eureka-3-em-1Três filmes complementares unidos num só, que acompanham os desafios encontrados das culturas indígenas em diferentes regiões do continente americano.