No auge da Grande Depressão, quando o clima de instabilidade deixado pelo crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, afogou os EUA numa atmosfera de incerteza, a Universal Pictures foi sagaz o suficiente para entender e interpretar o espírito instável daqueles tempos e propor uma imersão em narrativas de terror como forma de exorcizar a atmosfera de medo no ar. Monstros das mais diversas ordens, como lobisomens e múmias, ergueram-se nas telas, a atrair plateias não apenas com uma reflexão cinéfila do Mal, mas com uma engenharia de efeitos visuais e especiais inusitada, artesanal. Após a pandemia, o estúdio resolveu dar uma sobrevida a essa vaga de longas-metragens, primeiro com “O Homem Invisível”, de Leigh Whannell (de 2020), e agora com uma revisão de “Dracula’s Daughter” (1936), chamado de “Abigail”. O nome dá conta da personagem interpretada por Alisha Weir, que se faz de vítima, soa ser frágil, mas revela a sua monstruosidade num esgar de caninos.

A realização da dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett (responsável pelo regresso de “Scream”) esgueira-se com firmeza entre o heist movie e o horror gore, apoiada num orçamento de 28 milhões de dólares. As referências ao filme de culto dos anos 1930 de Lambert Hillyer, sobre a cria do Conde Drácula, são ínfimas. O que vemos é um espetáculo taquicárdico de monstros, no qual uma vampira sedenta de coágulos almeja morder as jugulares de um grupo de criminosos. A montagem eletrizante de Michael P. Shawver (de “Pantera Negra”) é o principal trunfo da fita. A fotografia de Aaron Morton, dionisíaca, faz lembrar os videoclipes dos anos 1990, poluída de cores retintas do começo ao fim.

Apesar da falta de originalidade, o guião conquista a plateia pela eficácia com que lida com as cartilhas do género pelos quais percorre. Na seara do terror, vemos uma mansão de luxo, típica das casas vitorianas dos clássicos da Hammer (produtora prolífica em produções sobre sugadores de sangue), onde uma jovem bailarina, a tal Abigail, é feita de refém por um time de bandidos fracassados. Um ex-polícia vivido por Dan Stevens (em equilibrada atuação) é o mais engenhoso de todos. A mais afetiva do grupo é a médica que caiu em desgraça (por culpa das drogas) Joey (Melissa Barrera). Ela é quem melhor trata a menina raptada até perceber que esta é uma criatura das trevas. Dali para frente, o que se vê é um jogo de gato e rato com uma série de situações na beira da histeria e com diálogos bem-humorados. Eficácia é o que não falta a este divertido thriller sombrio. A Universal marcou um golo no seu esforço de rever o seu próprio legado.

Pontuação Geral
Rodrigo Fonseca
abigail-nas-presas-da-eficaciaEficácia é o que não falta a este divertido thriller sombrio. A Universal marcou um golo no seu esforço de rever o seu próprio legado.