Há um verbo em francês que devia existir em todas as línguas, o verbo apprendre, que significa ao mesmo tempo ensinar e aprender. Quando se ensina há uma troca de saberes.

Dentro de uma escola pública primária há conflitos diversos: entre alunos (incluindo os problemas invisíveis e visíveis que trazem de casa), entre professores (vaidosos, desajustados e aqueles que pouco ou nada cumprem o papel de ensinar-educar), entre uma diretora controladora, egóica e maquiavélica, neste caso, a personagem Vedrana (vivida pela veterana atriz Nives Ivanković) e a orientadora educacional/psicóloga, e entre o pessoal administrativo. Tudo isto somado aos pais angustiados com os problemas dos filhos e a indiferença do pessoal docente para com eles. Uma escola que parece mais um ringue de boxeadores. Esta é a teia de conflitos que podem ser vistos durante duas horas, em “The staffroom“, 2021, filme da argumentista e realizadora croata estreante em longas-metragens Sonja Tarokic. Uma ficção que parece mais um documentário.

Esta é a entusiasmada, carismática, inteligente, competente e incansável jovem psicóloga-orientadora educacional, Anamarija (na imagem a seguir), interpretada magistralmente por Marina Redzepovic, que inicia um novo trabalho numa escola primária de Zagreb, tendo que viver sob constante tensão e pressão, as quais é obrigada a carregar nos ombros e na mente. Ela analisa os problemas das crianças-alunos com cuidado e confronta um ambiente educacional vasto de relações humanas desestabilizantes, egóicas e jogos de poder enraizados. Anamarija tem a ilusão de poder resolver os conflitos externos e internos deste lugar. Num primeiro momento, podemos pensar que a protagonista do filme é Anamarija, mas vamos percebendo que é a própria escola.

A realizadora Sonja Tarokic relatou numa entrevista: «A ideia para este filme foi influenciada pelo facto de eu ter crescido numa família de psicólogos e ter estado rodeada por suas histórias sobre o sistema social. A escola é um sistema específico em que as pessoas passam frequentemente toda a sua vida com o mesmo grupo de colegas, numa mesma sala de professores, intimamente ligadas por amizades, opiniões e preconceitos”.

Confesso que não havia pensado que os bastidores de uma escola fossem tão agressivos e contraditórios, afinal é um espaço educacional. O filme surpreendeu-me, não por achar que não exista violência nas relações humanas dentro de um sistema escolar, mas por mostrar muito mais violência do que eu imaginava existir, e por retratar um tema que faz parte da vida de todos nós e até então, quase nada abordado no cinema.

Filmado em cores em tons de vermelho agressivo (inclusivamente o cenário e os objetos de cena), o que quase faz gritar as emoções das personagens. A câmara inquieta, e por vezes oculta, juntamente com enquadramentos-vigilantes, segue insistentemente a psicóloga e os muitos colegas de trabalho que a desestabilizam, enquanto ela tenta criar algum equilíbrio na escola. São mesmo raros os momentos de paz.

Outro destaque é a banda sonora do filme, composta por músicas tradicionais, músicas croatas folclóricas e sons ruidosos que intensificam o caos dos sentimentos e atos dos discentes e docentes, um mar de personagens e vozes gritantes, dissonantes e vulneráveis, chamando assim a atenção para o desequilíbrio humano. É tanta desordem que o espectador fica meio atordoado com as imagens e sons, entretanto estimulado a ver até onde vai dar tudo isso.

Os atores à altura dos papéis que interpretam, agem como se tivessem trabalhado a vida inteira numa escola, o que mostra o cuidado da realizadora com a pesquisa sobre o tema e com a preparação do elenco, pois nem todos atores são profissionais.

A impressão que temos é que quase todos na escola estão à beira de um ataque de nervos, exceto a psicóloga que dá o seu sangue para amenizar os desajustes dos colegas de trabalho e dos alunos. Um dos professores, chamado Siniša, o mais idoso deles, aparentemente com problemas psiquiátricos, conta os seus problemas pessoais aos alunos, faz o que lhe dá na telha e é um péssimo profissional, narcisista e machista, todavia é protegido pela diretora escolar que o defende dizendo que não pode ser demitido devido a sua idade e a dificuldade para depois conseguir se reformar. Este tipo de coisa é absurda, mas comum dentro de escolas públicas. E assim, a sociedade vai mantendo uma hipocrisia que não devia sustentar.

Regras de convivência que se estraçalham diariamente. Professores paranoicos e agressivos com os alunos, mas ninguém se importa o porque, exceto Anamarija que escuta e media os conflitos, embora insultada, amedrontada e chantageada pela diretora dissimulada, incompetente e que se acha proprietária da escola. A psicóloga é confrontada e traída também pelos professores vingativos que se fazem de vítimas e inocentes. O jogo é mesmo sujo. Por mais que Anamarija se esforce, parece estar fadada ao fracasso. Ela não suporta ter que conviver numa escola com situações limites, mas continua ali. A diretora e os professores tentam a todo tempo impedir a psicóloga de fazer o seu trabalho, exceto um dos colegas que é seu único amigo. Tudo que resta a Anamarija é não sacrificar a sua integridade para sobreviver a este ambiente desajustado.

Um sistema escolar como reflexo social? A escola não deveria ser um ambiente educativo e menos problemático?

Colegas de trabalho que desrespeitam-se e digladiam-se o tempo todo em disputas de poder em salas de aula, de reuniões e nos espaços de convívio, professores que julgam e punem o comportamento de alunos, com graves conflitos familiares e que os educadores preferem ignorar, como se os confrontos da escola fossem confinados apenas ao ambiente interno.

O filme “The staffrooom” é um apelo social sobre o tema, destaca a escola como um lugar arriscado tanto para os funcionários quanto para os alunos. E talvez seja um reflexo da desorientação, intolerância e violência da sociedade dos tempos atuais. E para além do filme, a realidade nos mostra que ser humano é mesmo complexo, e por vezes lastimável, não importa a profissão.

A ficção aborda, portanto, o interior de um ambiente escolar que pode existir em qualquer parte do mundo, e chama a atenção para a necessidade de uma mudança de comportamento, antes de tudo dos professores que escolheram como profissão serem educadores, embora nem sempre façam jus à causa. Reparei que a realizadora não destaca a razão do desequilíbrio dos professores, afinal eles também trazem problemas pessoais para dentro da escola, e até adoecem em função da estrutura escolar. Podendo estar numa corda bamba emocional, pressionados pelo que fazem ou deixam de fazer enquanto professores, e nem sempre têm apoio psicológico do sistema educacional.

Apesar de tudo e felizmente, não esqueçamos que há também boas escolas públicas e bons professores por aí, e é sempre tempo de ensinar e aprender boas práticas uns com os outros.

Seria louvável “The staffrooom” ser visto, EM ESPECIAL, em escolas, por professores, alunos e familiares; pela sociedade, em geral. Uma vez que ao aceder no ecrã um espelho da realidade, todos possam refletir sobre a necessária mudança comportamental no interior de ambientes educativos tóxicos. Um sistema educacional agressivo não deveria existir!

O filme está disponível online na FILMIN.


Este é um dos pouquíssimos filmes sobre este tema, tão necessário de ser discutido e repensado no cinema, e principalmente, na vida real. Outro filme nesta linha de reflexão, embora ainda não tenha tido a chance de vê-lo, é “A sala de professores” (2023) do realizador alemão de origem turca Ilker Çatak, filme cuja sinopse revela que «uma professora, dividida entre os seus valores e um sistema escolar, decide investigar as acusações de roubo envolvendo um aluno, enfrentando as possíveis repercussões».

Pontuação Geral
Lídia ARS Mello
the-staffroom-sobre-conflitos-escolaresSeria louvável "The staffrooom" ser visto, EM ESPECIAL, em escolas, por professores, alunos e familiares; pela sociedade, em geral. Uma vez que ao aceder no ecrã um espelho da realidade, todos possam refletir sobre a necessária mudança comportamental no interior de ambientes educativos tóxicos. Um sistema educacional agressivo não deveria existir!