Pouco (ou quase) nada muda esteticamente entre “D’Artagnan” e “Milady”, o segundo tomo do díptico (e, futuramente, tríptico) “Os Três Mosqueteiros” a não ser o facto de que esta Parte Dois do épico baseado na pérola literária de Alexandre Dumas (1802-1870) funcionar mais e melhor como “filme de passagem” do que como ponto de viragem efetivo para a dramaturgia. É algo parecido com o que se deu em “The Lord Of The Rings” (2001-2003), de Peter Jackson, em relação a “As Duas Torres” (2002). Era uma massa narrativa de pequenas reviravoltas que mais servia para plantar os elementos que viriam a desabrochar em “O Retorno do Rei” do que para se manter como um organismo autónomo no corpus da saga.

O mesmo se passa com o trabalho feito pelo realizador Martin Bourboulon (de “Papa ou Maman”) a fim de justificar a o regresso de Milady, a misteriosa espia (ou quase isso) vivida por Eva Green. O erro: o que poderia ser um marco feminista no histórico das releituras da prosa publicada em 1844, com o delinear de uma anti heroína empoderada, resvala na falta de criatividade do guião em explorar dogmas e dilemas da personagem. Ainda assim, as sequências de ação exuberantes garantiram à longa-metragem uma venda de 2,5 milhões entradas em França.

O tomo anterior, “D’Artagnan”, era uma narrativa de introdução de um jovem aspirante a soldado do rei e a sua amizade com um trio de guerreiros já consagrados, ao mesmo tempo que funciona – e bem – na ambientação de um enredo conspiratório contra o Rei Louis XIII, vivido por um Louis Garrel na plenitude do seu ferramental cénico. Para as novas gerações, alfabetizadas no cinema de ação via “John Wick”, tratava-se de um eletrizante exercício dos códigos da ficção capa & espada, pautado pelo ethos do “Um por todos! Todos por um!”.

Percebe-se o mesmo apuro coreográfico de duelos, combates e crispares de lâminas em “Milady”, ainda que haja um inegável problema de montagem para que se perceba o que se passa por trás de cada enfrentamento, isto é, os meandros da disputa política aqui não são devidamente ruminados pelos guionistas, o que reflete numa edição típica de uma película de Michael Bay: tudo é velocíssimo, mas pouco se justifica.

Uma vez mais, o herói que mais se destaca é Athos, vivido por um Vincent Cassel em estado de graça. É um achado também o trabalho de Pio Marmaï como Porthos, enquanto Romain Duris não consegue encontrar um tom para Aramis.

Na trama, adaptada de Dumas por Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière, Milady, uma agente do Cardeal Richelieu (Eric Ruf), regressa do que parecia ser um desaparecimento estratégico a fim de desestabilizar a moral dos mosqueteiros, a revelar delitos do reinado de Louis XIII e uma fraqueza de Athos. Eva Green trata o seu papel com brio, extraindo o que pode da falta de esmero que Bourboulon tem em lhe oferecer situações que garantam tridimensionalidade à figura de uma mulher numa cruzada de vingança. Apesar disso, visualmente, a produção é boa, trazendo uma França do passado muito bem recriada no uso do chiaroscuro e na depuração dos tons ocres, terrígenos, na fotografia de Nicolas Bolduc.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
tres-mosqueteiros-milady-carece-de-ser-afiadoEva Green trata o seu papel com brio, extraindo o que pode da falta de esmero que Bourboulon tem em lhe oferecer situações que garantam tridimensionalidade à figura de uma mulher numa cruzada de vingança.