Dando uma nova vida – de longa-metragem – à sua curta vencedora do Grande Prémio do Júri de Sundance, em 2018, Álvaro Gago Diaz executa um verdadeiro ensaio sobre mecanismos de opressão, seja esta laboral, familiar ou social, analisando no processo a condição feminina em todos estes campos. E mais que um drama social, que o é, o galego lança um olhar meticuloso e espesso a uma mulher à procura de afirmação e independência (emocional e económica) no pequeno e limitado mundo que a rodeia.

Definir o estatuto de Ramona – na casa dos 40 anos – como precário é um eufemismo: o seu emprego numa fábrica de conservas quer reduzir-lhe o salário; o companheiro de vida dá mais chatices que fornece ajuda; e a relação com a filha treme a cada circunstância. 

Cabe à atriz María Vásquez vestir a pele desta mulher à beira de um ataque de nervos, presa algures entre o universo realista de problemáticas sociais das figuras do cinema dos irmãos Dardenne, mas também numa posição existencial onde não escapa a influência do cinema de Chantal Akerman. Por isso mesmo, algumas vezes olhamos para Vàsquez, mas quem reflete nela é Delphine Seyrig, havendo na sua Ramona uma total recusa em abraçar qualquer tipo de vitimização.

Na verdade, existem muitos problemas na sua vida, sim, e eles vão se amontoando muitas vezes de forma auto-infligida. Porém, Ramona está disposta lutar contra os demónios internos e externos sem passividade para melhorar a sua situação e, com isso, controlar a sua vida.

Nisto, e de câmara na mão, nunca largando a sua protagonista,, o cineasta entrega ao espectador um verdadeiro tratado sobre as heroínas anónimas do dia a dia, onde o quotidiano marcado pelas regras do patriarcado e capitalismo selvagem continua a ser dominante.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
matria-os-demonios-do-quotidianoE mais que um drama social, que o é, o galego lança um olhar meticuloso e espesso a uma mulher à procura de afirmação e independência (emocional e económica) no pequeno e limitado mundo que a rodeia.