Fora mapas e um punhado de imagens de arquivo que extrapolam as fronteiras diegéticas, “Guerra Civil” não deixa espaço para explicações, contextualizações ou enredos de fundo com respostas sobre a violência (extrema) nos seus planos. Não parece haver esse desejo em Alex Garland, escritor consagrado como promessa de renovação da prosa anglo-saxônica, em 1996, com o romance “A Praia”, que entretanto transformou-se em realizador. É um realizador autor, com obsessão por meios no qual as neuroses (coletivas) suplantam a razão lúcida. Fez um tratado metafísico sobre corpos de carne ou de metal em “Ex-Machina” (2015) com o mesmo interesse na psique demonstrado no tratado antissexista “Men”, exibido na Quinzena de Cineastas de 2022. Agora, a psique que é testada ao limite da tolerância pertence aos profissionais da notícia. Mas não há o tratamento heroico clássico de Hollywood para os protagonistas desta produção de 50 milhões de dólares. Eles são anti-heróis longe de uma carga épica, que se movem por uma causa ideológica e também por uma certa vaidade e, ainda, por uma carga de inércia. Uma inércia inerente a um mundo distópico onde sobrou muito pouco.

Em analogia à Secessão dos Ianques e dos Confederados, “Civil War” (no original) de Alex Garland traz a América recortada em dois hemisférios… aparentemente. Podem haver mais, pois não se explica o separatismo. O presidente (Nick Offerman) faz um discurso à moda de Donald Trump no início, acusando aqueles que abandonaram o sonho de um império coeso e racharam a nação. Ouve-se falar numa tal de F.O. (ou O. F., em português), mas nada se sabe dos paradigmas dessa tal facção. É um filme lacunar e ponto: a brutalidade fala por si. Vemos barricadas, arame farpado, estradas vazias, fumo e fogo. É o código que Garland nos dá em uma distopia que torce as convenções do género, como a ausência absoluta da fantasia ou de práticas sociais inusitadas. Não é como “Mad Max”, onde o mundo virou um areal e as pessoas usam máscaras ou pintam o rosto de tinta cromada. É um mundo de caras limpas.


Há mais interesse de Garland nos repórteres à frente do argumento do que na geopolítica. O mais pitoresco deles é Joel, vivido por um Wagner Moura em estado de graça. É um tipo que lembra Kirk Douglas em “O Grande Carnaval” (“Ace In The Hole”/ “A Montanha dos Sete Abutres” no Brasil): um abutre, alguém capaz de morder um cão para fabricar uma manchete. O eterno Capitão Nascimento despe-se (na plenitude) da vontade de potência do militar que o consagrou e vive uma figura de sentimentos dúbios, ambicioso, mas capaz de se rasgar em choro diante da retaliação.

Uma taciturna Kristen Dunst brilha como uma fotógrafa, Lee, especializada em embates bélicos. Há o sábio produtor de reportagem, Sammy (um inspirado Stephen McKinley Henderson), que garante à longa-metragem uma de suas sequências mais catárticas. Vemos ainda uma aspirante, Jesse (Cailee Spaeny), que se inspira em Lee.

Esse quarteto gira os EUA em busca de factos contra os quais não residem argumentos. A montagem eletrizante de Jake Roberts encontra a velocidade certa para o périplo dos quatro, numa andança em nome da profissão, na qual o registo do colapso é o compasso, da espera e da ação. A fotografia de Rob Hardy é dionisíaca o bastante para esbanjar calor num colorido febril, típico de um mundo em erupção. O que se tira de saldo dessa sinestesia é a alegoria de um povo que apostou em Joe Biden para se livrar do conservadorismo trompista, mas que, agora, regressa a ele, separando não só os republicanos dos democratas, mas os possíveis “bons” dos possíveis “maus”. Mas “mau” para quem? E “Bom” para quê?

Pontuação Geral
Rodrigo Fonseca
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