Falar de “Josephine Mutzenbacher” ou “The Story of a Viennese Whore, as Told by Herself” (A História de uma prostituta Vienense, contada pela própria) é falar de um romance erótico, tão famoso como escandaloso, publicado pela primeira vez anonimamente em Viena, Áustria, em 1906. 

Atribuído por vários académicos e pelo próprio governo austríaco a Felix Salten, o criador do famoso “Bambi” (sim, o cervo que mais tarde tornou-se centro do filme icónico da Disney), o livro torna-se aqui, neste “Mutzenbacher”, um objeto de análise contemporânea pela cineasta Ruth Beckermann, que – com a desculpa de um casting para um filme sobre ele – convoca homens com idades entre os 16 e 99 anos para lerem passagens e falarem das situações presentes no texto.

Todos eles, ou quase todos, sentam-se no verdadeiro protagonista/objeto que marca todo este ensaio cinematográfico muito simples e austero: um sofá kitsch, cor de rosa com flores, que, como alguém descreve, logo no início, é bem “erótico” e poderia ter tido um papel de relevo em qualquer produção pornográfica. Posicionado num armazém quase deserto, é por ele que os homens passam e abordam perante a lente da cineasta os mais variados temas, da prostituição infantil (Mutzenbacher torna-se prostituta aos 13 anos) ao desejo no feminino, não esquecendo o “olhar no masculino” e toxicidade, encadeada numa alegada mensagem de liberdade sexual. Infame desde a sua nascença, mas particularmente sob ataque nos tempos atuais, “Josephine Mutzenbacher” é assim escrutinado por Beckermann e convidados, com a primeira a permanecer fora de cena a interrogar os seus candidatos, sempre num registo duro, provocador e inquisidor, selecionando aquelas passagens e discussões geradas que considera mais pertinentes na montagem do seu filme.

Curiosamente, há três anos, a realizadora Calisto McNulty (Delphine e Carole), neta de Carole Roussopoulos, em entrevista ao C7nema, falou de um projeto que tinha na mente e que consistia em colocar um bando de homens num palco a interpretarem/lerem o famoso “Scum Manifesto”, de Valerie Solanas. Esse projeto, que nunca foi para a frente, ou se foi vai chegar “atrasado” com a estreia deste filme de Beckermann, tinha expectativas de gerar discussões pertinentes, mas também momentos de humor, pois só o facto de ter homens em palco, das mais variadas origens, a lerem escritos para mulheres, sem nenhuma outra presença no feminino além da própria cineasta, era mais que suficiente para prender a nossa atenção.

E no final é isso que Beckermann consegue com uma simplicidade e controle tremendo: criar um objeto curioso que mantém em debate uma obra maldita, da sua criação aos tempos atuais.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
mutzenbacher-conversas-de-sofaUm objeto curioso que mantém um debate sobre uma obra maldita, da sua criação aos tempos atuais.