Já com um conjunto de sucessos no seu currículo, onde se incluem “Un Cuento Chino” (Um Conto Chinês) e “La odisea de los giles” (A Odisseia dos Tontos), o argentino Sebastián Borensztein chega agora Netflix num tom ausente de comédia com “Descansar en Paz” (“Descansar em Pazpt; “Descanse em Pazbr), filme que, tal como os objetos cinematográficos referidos anteriormente, parte de um episódio real – o atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), em 1994 – para ficcionalizar a história de um homem, cheio de dívidas e ameaçado por um agiota, que aproveita essa tragédia para fingir a sua morte e desaparecer do radar do cobrador.

Partindo do livro homónimo escrito por Martín Baintrub, Sebastián Borensztein começa por retratar um estilo de vida acima das suas possibilidades, para depois começar a desconstruir a sua personagem principal, Sergio Dayán, que se ocupa da fábrica que o pai lhe deixou, mas que enfrenta graves dificuldades financeiras sem o conhecimento da família.  

Ainda assim, e mesmo sabendo da fragilidade económica em que se encontra, ele não nega uma festa de arromba para celebrar o Bar Mitzvá da filha, uma celebração que marcar a entrada de um jovem judeu como um membro maduro na comunidade judaica. A sua noção do descalabro iminente aumenta quando um agiota, Hugo Brenner (Gabriel Goity), pede-lhe a devolução imediata do dinheiro que lhe emprestou, ameaçando a sua família no processo.

Quando ocorre o evento real do atentado à AMIA, a 18 de julho de 1994, em Buenos Aires, matando 85 pessoas e ferindo centenas, Sergio vê a sua oportunidade de fuga, a qual consegue, para o Paraguai, deixando a família para trás, com a maioria das dívidas saldadas devido aos pagamentos de um seguro pela sua morte.

Equilibradamente um drama que frequentemente visita o terreno do thriller, especialmente quando Sergio parte para o Paraguai e depois regressa, anos depois, para assistir ao casamento da filha, Borensztein tenta se aproveitar do melhor dos dois mundos. Existe delicadeza na forma como esta família desintegrada segue com as suas novas vidas em países diferentes (Argentina e Paraguai), se observa os seus novos relacionamentos, mas também remorsos e culpa. Isso é mais notório na personagem de Sergio, interpretado com maestria e contenção por Joaquín Furriel, que passa por uma transformação física e psicológica ao longo dos anos.

Por outro lado, a bifurcação da atenção do cineasta em seguir a vida da esposa e filha de Sergio em Buenos Aires, e também a deste no Paraguai, exigiu do montador Alejandro Carrillo Penovi (que desde Kóblic trabalha com o cineasta) um toque atencioso na mesa de montagem. E esse toque, essa atenção, não foi apenas para  fugir aos clichês das histórias a dois tempos, que frequentemente geram neste tipo de filmes flashbacks algoritmicamente padronizados e bem demarcados, mas porque ao contar duas rotas de vida, ele sente que não precisa das habituais muletas visuais que infantilizam o espectador na tentativa de mostrar histórias em paralelo. Para esse ponto, também contribuiu o diretor de fotografia Rodrigo Pulpeiro, o qual, especialmente no último terço do filme, aplica um filtro de negritude a todos os planos de Sergio e dos espaços que ocupa, como se estivesse a captar e expor o seu rebuliço interno marcado pela culpa, remorso e saudade, enquanto mantém nele um sentimento de permanente cerco.

O resultado final é um filme que, embora não brilhe, tem a capacidade de nos prender até ao seu final e de gerar empatia com todas as figuras presentes em cena, inclusivamente a personagem do agiota, que mais tarde desiste da dívida perante a esposa de Sérgio, porque essa tinha sido criada por ele.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
descansar-en-paz-sebastian-borensztein-regressa-longe-do-registo-da-tragicomedia-que-o-celebrizouSebastián Borensztein parte de um episódio real -o atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), em 1994 - para ficcionalizar a história de um homem, cheio de dívidas e ameaçado por um agiota, que aproveita essa tragédia para fingir a sua morte e desaparecer do radar do cobrador.