À explosão dos biopics musicais celebrativos de figuras incontornáveis do panorama musical, como se viu em “Bohemian Rhapsody”, sobre Freddie Mercury, ou “Rocketman”, em torno de Elton John, capazes de encher as salas de cinema e gerar receitas de bilheteira estratosféricas, junte-se uma vida trágica marcada por um amor obsessivo, drogas e álcool, para se entender como fazer um filme sobre a falecida Amy Winehouse seria sempre uma aposta segura para um produtor. E se a essa tragédia acrescer o facto de Amy se ter juntado ao famoso “Clube dos 27”, onde se incluem outras estrelas (Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, e Jim Morrison, Kurt Cobain) falecidas com essa idade, então à celebração da música e observação da tragédia pessoal junta-se uma dose de misticismo, tudo embrulhado neste “Back To Black” apressadamente num relato de factos selecionados, sem qualquer tentativa de procurar entendê-los e conectá-los além do óbvio.

E depois de “Amy”, documentário de Asif Kapadia, nos mostrar a vida e morte de Amy Winehouse com algumas ambiguidades e questões no ar,  “Back To Black”, filme de Sam Taylor-Johnson, lançado este ano, volta à cantora, mas sem deixar espaço para especulações, mesmo que elas persistam até hoje, atolando-se de estórias que já se conhecem e estão noutros meios mais bem documentadas e aprofundadas. 

Este projeto, que se assumia como celebratório e orientado para a carreira da cantora e o processo que a levou ao álbum que dá título ao filme, é tudo menos um mapeamento de influências e construções musicais da cantora, reduzindo às letras e ao assunto de uma faixa tudo o que a música tem para oferecer. Assim, e caindo naquela irritante situação sistemática da maioria dos biopics, onde se corre apressadamente dos primeiros anos de um cantor para os últimos, sem nunca tocar explicitamente na sua morte, além de umas palavras finais esculpidas no ecrã antes dos créditos finais, todos os momentos da vida de Amy Winehouse fluem como uma manta de retalhos, um teaser da sua vida, a maioria das vezes sem intensidade ou paixão – mesmo aqueles onde Amy e Blake Fielder-Civil vivem grandes momentos de paixão, ou descompensam em violência derivada do consumo elevado de álcool e/ou drogas. Dito isto, falta tesão e carnalidade nas situações de amor e imundice ou melancolia na dor e no sofrimento. Na verdade, tudo por aqui é demasiado “limpinho” e estéril, com exceção da exploração da imprensa tabloide de toda a tragédia que cercava Amy, que cai no dèjá vu habitual das suas representações no cinema.

A isto junta-se a forma acrítica como todos os momentos são relatados, daquele tipo de filmes que quer agradar a todos e acaba por não agradar a ninguém, como é mostrada na progressão da relação de Amy com o pai, com o manager, e a entrada e saída de cena da sua grande paixão, Blake, com a introdução de drogas duras como o ponto alto de uma lua de mel, e o desgosto provocado pelo findar da relação como o catalisador para a inspiração musical.

A esta forma pouco entranhável de abordar quase tudo, e deveras superficial (nada se diz sobre a bulimia que a cantora sofria desde a adolescência), onde escapa apenas uma cena em que, no processo de engate entre Amy e Blake, o segundo introduz à primeira as The Shangri-Las, soma-se ainda uma estética que visita todos os lugares comuns, onde não falta a visão dupla e fraca para ilustrar uma intoxicação alcoólica e um apagão, ou câmaras desorientadas a captarem a dupla de amantes numa altercação em público, e ainda uma cena vista do interior de uma piscina para fora dela, a desfocar um momento de prazer e liberdade da dupla de amantes. Nada de mal, efetivamente, mas também nada de distinto ou verdadeiramente memorável.

Seja na construção da arte e do mito, seja na definição da sua imagem de marca (que remete à avó, ex-cantora de jazz), seja na sua persona global de estrela que veio de Camden sem se importar com o dinheiro, o instrumento preferido da cineasta e do argumentista para o filme é o mero relato, sem um verdadeiro fio condutor que nos oriente para a construção e decadência de um génio artístico. 

A isto soma-se ainda a presença Marisa Abela, que usa a própria voz para cantar, arrastando um sotaque pronunciado e demasiadas contorções na sua expressão facial e corporal (qie se sente artificial), Jack O’Connell, que tantas vez faz lembrar um Michael Fassbender purificado, ou Eddie Marsan em modo “anjo na terra”. Nenhum deles desvaloriza verdadeiramente a transposição da vida de Amy para o grande ecrã, mas também não conseguem fazer esquecer – em nenhum momento –  as múltiplas debilidades. 

A única coisa capaz de afastar da nossa mente essas deficiências do guião e a escassez criativa na construção visual vem da própria música de Amy, a que se acrescentam arranjos musicais entregues a Nick Cave e Warren Ellis. Aí, sim, está a força do filme, mas tirando a dupla que trabalha a banda-sonora, tudo o resto vem de Amy e não da composição que vemos no grande ecrã com a assinatura de Sam Taylor-Johnson.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
back-to-black-um-escasso-teaser-da-vida-de-amy-winehouseSeja na construção da arte e do mito, seja na definição da sua imagem de marca (que remete à avó, ex-cantora de jazz), seja na sua persona global de estrela que veio de Camden sem se importar com o dinheiro, o instrumento preferido da cineasta e do argumentista para o filme é o mero relato, sem um verdadeiro fio condutor que nos oriente para a construção e decadência de um génio artístico.