Quando muitos migrantes atravessam o mediterrâneo a caminho da Europa, já muito sofreram e passaram na sua travessia. Muitos começam no centro do continente africano essa jornada, tendo de passar por zonas desérticas e minadas por os mais variados perigos, venham eles de traficantes, contrabandistas e jihadistas, ou das noites gélidas e das frequentes tempestades de areia.

The Last Shelter” é um filme sobre migrantes, muito longe da derradeira rota de passagem ou de qualquer posição já no destino (como “Le Chant des vivants” apresentou este ano). O foco aqui é uma casa de acolhimento no centro do Mali (Caritas House of Migrants), no município de Gao, um local de refúgio cercado por paisagens entregues à erosão e com acessos muitos limitados. É aí que vamos conhecer uma série de histórias de pessoas em transição, momentaneamente retidas naquele destino, ou definitivamente obrigadas a ficar no local.

Filmado com enorme sensibilidade por Ousmane Samassekou, quer na forma como observa e regista os testemunhos destes migrantes, quer como a sua lente capta a paisagem e o isolamento em que todos vivem, não como se estivesse num oásis, mas antes numa ilha cercada de tubarões, “The Last Shelter” respira humanidade em todas a exposição das enormes fragilidades humanas, da destruição de sonhos, mas também de profundas desilusões e recusas em voltar atrás, mesmo que a opção seja ficar em terra de ninguém à espera de um “milagre”.

Ousmane Samassekou, que dedicou o filme ao seu tio Amadou, que partiu para a Alemanha 30 anos atrás e nunca mais se ouviu falar dele, faz assim um retrato sentido, repleto de elementos cinematográficos que lhe dão espessura e qualidade, conseguindo indo assim ir além de uma visão política sobre a questão da pobreza que obriga a emigrar, um dos muitos e eternos problemas africanos pós-coloniais.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
the-last-shelter-a-espera-de-um-milagreCom enorme sensibilidade, Ousmane Samassekou observa e regista os testemunhos dos migrantes, captando igualmente a desoladora paisagem e o isolamento em que todos vivem