Sexta-feira, 3 Maio

A largos passos para a extinção

Um dos maiores festivais do “cinema do real” da Europa, o Visions du Réel deu o seu pontapé de saída esta quinta-feira, 15 de abril, com o chamariz de “Healers” (Les Guérisseurs), de Marie-Eve Hildbrand, como o filme oficial de abertura, mas com muitos motivos de interesse um pouco por toda a sua programação.

A começar pelo filme que apresentou no dia 14, em jeito de projeção especial pré-certame. O filme exibido foi “Le Chant des vivants”, obra de Cécile Allegra que aborda a questão dos imigrantes de uma forma pouco convencional. No foco estão “jovens sobreviventes de diferentes partes da África que na aldeia de Conques, França, encontraram um espaço terapêutico onde aprendem a superar o passado e, através da música, a imaginar um novo futuro“. Traumatizados por passados marcados por tragédias, diversos abusos e um permanente estado de risco de vida, estes africanos partilham dramas profundos, muitos deles absolutamente tratados como escravos vendidos a soldo num dos países que atravessaram. É daquilo que viveram na Líbia, local descrito pelos próprios como “pior que o Inferno”, que surgem os testemunhos mais marcantes, todos registados pela cineasta, que juntamente com eles – num “porto seguro” – observa o seu cantar, dançar e celebrar a felicidade de estarem vivos. Um filme doloroso e aconchegante em doses similares sobre vidas marcadas para sempre.

Foi de França igualmente, já no dia 15 e em plena competição de Curtas e Médias Metragens, que veio também o primeiro choque frontal e urbano, num filme que nos leva até Fos-sur-Mer, cidade do sul da França repleta de refinarias e indústrias químicas onde os humanos tentam resistir perante paisagens ambíguas. A relação homem-natureza é o foco central, destacando-se o grau de adaptabilidade do ser humano a locais muito longe dos padrões de beleza e qualidade de vida que a maioria projeta. “Là où nous sommes”, de Amélie Bargetzi, é essencial para entender que em plena Europa também existem pequenas “Norilsk” à beira-mar plantadas.

Là où nous sommes

E seguindo na confrontação homem-natureza, na competição principal estreou mundialmente “Holgut”, retrato da relação complexa entre estes elementos, que normalmente culmina em processos de extinção. O cenário é a tundra da Sibéria e o aquecimento global é uma peça  essencial de um híbrido que certamente chegará aos cinemas nacionais, provavelmente no IndieLisboa.

Do gelo da Rússia passamos, igualmente na competição internacional, para o sol da Flórida em “The Bubble”, onde o capitalismo e a herança Trump criou uma bolha civilizacional  composta por mais de 150 mil reformados (a maioria branca, com posses e republicana) que apoderaram-se do espaço no condado Sumtey, pressionando o mercado imobiliário e todas as atividades económicas da região.

Surfaces


Houve ainda tempo para os primeiros dois filmes dos cineastas convidados para os ateliers do Cinema Du Réel, Tatiana Huezo (El lugar más pequeño) e Pietro Marcello (Bella e Perduta), e “Surfaces” [Competição de Curtas e Médias Metragens], uma viagem com Cristina Motta, entre a Argentina e a Colômbia, aos corpos femininos, vítimas das violências nos dois países, que ao longo dos rios encontraram o destino final.

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