A  realizadora bósnia Jasmila Zbanic tem dedicado grande parte da sua carreira a abordar temas relacionados com a Guerra Civil Jugoslava (1991-2001), com particular incidência às marcas deixadas na Bósnia-Herzegovina por um conflito que gerou dezenas de milhares de mortos, e um número infindável de deslocados e feridos (físicos e psicológicos) até hoje.

Vencedora em 2006 do Festival de Berlim com “Grbavica“, que seguia uma mulher numa Sarajevo pós-conflito, mas ainda marcada pela guerra, em particular no sofrimento resultante da sistematização das violações sexuais durante esse período, Zbanic prosseguiu no tema das marcas psicológicas em “On the Path” (2010), “For Those Who Can Tell No Tales” (2013) e agora neste “Quo vadis, Aida?”, onde revive o massacre de Srebrenica, em julho de 1995. O foco aqui é uma tradutora das Nações Unidas, Aida (Jasna Djuricic, soberba), que tenta salvar o marido e os filhos logo após tropas e milícias sérvias tomarem conta da cidade, e de milhares de cidadãos procurarem abrigo no acampamento da ONU, então liderado por forças holandesas.

O espectador é transportado nesta viagem cruel e angustiante desde a saída das pessoas das suas casas, ao seu percurso por estradas e caminhos de cabras, passando ao cerco ao acampamento da ONU por parte dos refugiados e tropas sérvias, e da sua retirada do local – alegadamente para espaços seguros. No final das contas, morreram mais de 8300 pessoas neste episódio, procurando-se até hoje muitos dos corpos, enterrados em valas comuns nos mais diversos locais.

Este episódio negro da história mundial, para além de ser um dos maiores crimes na Europa no pós 2ª Guerra Mundial, foi ium dos maiores exemplos do fracasso de umas Nações Unidas, não só agarradas a uma posição neutra obsoleta, como servida por soldados inexperientes e psicologicamente pouco preparados para lidar com a crueldade e genocídio que se avizinhava.

Zbanic parte assim de uma história pessoal, de um drama familiar circunscrito, para abordar algo maior, seguindo de perto as tentativas de Aida para salvar os “seus”, mas esbarrando sistematicamente em burocracias e na tal neutralidade de uma instituição que pouco mais fez que a observação da preparação de humanos e a sua condução para um matadouro.

E no processo, assentado principalmente na força narrativa e na interpretação da sua protagonista, sem recorrer a qualquer carregamento estético particular, ou à manipulação barata e superficial dos sentimentos, a cineasta entrega mais um documento vivo sobre a “banalidade do mal“, mas também uma esperançosa busca pela justiça, até porque Aida continuará a sua luta para reconquistar o pouco que a liga ao passado e à família.

[Crítica originalmente escrita em fevereiro de 2021]