As figuras alinham-se perante o horizonte paisagístico da aldeia de Bostofrio. O céu recorta o relevo montanhoso despido de qualquer indício de Humanidade; as vozes vindas deste mesmo coletivo amontoam-se; um eco intruja-se nessa sonoridade até se desvanecer no tempo.

Tempo esse que Paulo Carneiro, que até então tinha exercido o cargo de assistente de realização e a estreia a solo numa curta / making of de uma das suas colaborações com João Viana (A Batalha de Tabatô), vasculha por todo o território deste pequeno ponto no mapa transmontano.

O pretexto é simples: a procura de uma identidade de um dos desconhecidos da sua sina – o avô. Mas sob esse trabalho de campo, uma investigação por entre narrativas e mais que narrativas, existe a clara afirmação de um realizador emancipado, que aproveita o jogo deixado por muitos para implementar as suas próprias regras. Como já parece ser hábito, ou quase praxe dos formandos cinematográficos, o meio rural tem sido uma peregrinação bucólica e plebeia na sua imagética.

Paulo Carneiro através de um território comum provoca uma insurreição alicerçada no seu rigor técnico, isto enquanto joga-se pela exposição, quer a nível de “know-how“, quer a nível sentimental. Sem medo de desvendar a sua face sensível, assumindo-se como um “infiltrado” na ilusão do seu Cinema, o realizador e protagonista identifica-se como um “one-man-show“; o investigador como o caso de estudo, descortinando preconceitos e explorando o secretismo de uma comunidade propícia a tal.

Em Paulo Carneiro encontramos ares de António Reis e Margarida Cordeiro, previsivelmente as suas demandas pelas terras transmontanas e ao mesmo tempo pelo documentário intimista com rasgos para cometer as suas ilusões. Mas dentro dessas mesmas sugestões, que funcionam como uma aura que espreita e pressente e da exposição que o realizador não possui problemas de “exibir”, o filme encerra-se na sua própria dignidade, até porque Carneiro faz um Cinema seu, a ser partilhado por todos, mas sobretudo a ser abraçado e acarinhado pelo próprio.

Obviamente, encontramos aqui razões para sorrir perante a simplicidade do registo, e não devemos com isso menosprezar o gesto. Dentro do dito documentário luso, a sua contenção, o seu foco no tema e o sentimento, valorizam-no perante muitos desta mesma colheita. Como escreveu certa vez Jacques Rancière, e o qual não canso em citar: “o cinema é arte do sensível“. E há sensibilidade nos cantos remotos de Bostofrio.