A realizadora Chantal Akerman (falecida recentemente) foi uma das mais notórias a transmitir a triste beleza que a rotina poderia proporcionar nos seus filmes, ensaios onde a ação nada valia perante os percursos decadentes predestinados das suas personagens, todas elas conduzidas e subjugadas à melancolia dos atos repetitivos.

Por outro lado, Tiago Guedes converte esta sua curta, Coro dos Amantes (apresentada pela primeira vez na edição de 2014 do Indielisboa e agora anexada à sessão de A Uma Hora Incerta, de Carlos Saboga), numa análise a esse quadro diversas vezes pintado por Akerman, posicionando-se num estado anti-sistemático e de forte leitura subversiva. Narrado em três atos, ou três canções como é assim descrita, a obra arranca com uma eventual tragédia, uma ocorrência que teria tudo para determinar o destino das suas personagens, para depois seguir sobre um registo comodista que nos evidencia o quanto frágeis nós somos enquanto seres afetivos em contraste com o individualismo perpétuo.

Baseado numa peça da autoria de Tiago Rodrigues, o filme é um exercício completo e perspicaz que, para além de ser complexo na transmissão do seu dialeto, é complementando com um formidável trabalho de atores (Gonçalo Waddington e Isabel Abreu) e uma montagem que intromete a narrativa num estado legitimo. Os “amantes” do filme de Guedes são vistos como uma única alma, quase monofásica, que dissociam perante duas câmaras que decidem orquestrar independentemente.

Com a chegada do split-screen, que nos acompanha ao longo da narrativa e que nos é conseguido por uma mestria exemplar, que em total coordenação com os atores nos apresentam um trabalho visualmente poético e, ao mesmo tempo, alicerçado ao realismo interpretativo e formal. Um trabalho que funciona numa catarse às relações e às preservações do foro emocional e afetivo, onde são as câmaras os guias desta “viagem” atribulada, que se personificam nas suas respetivas personagens.

Estas câmaras, estas imagens captadas, expõem a dita fragilidade do elo ameaçado pela iminente e definitiva conspurcação. Um elo apenas resistido pelas “armas de batalha” escolhidas pelos amantes e pelas promessas feitas e citadas por via de uma telepatia omnipresente. Coro dos Amantes encontra ainda o improvável paralelismo desta luta com a busca da dignidade na morte de Al Pacino em Scarface, filme que parece ecoar de forma fantasmagórica no destino destes cansados galanteadoras. Resumindo, é obrigatório o visionamento desta curta que por si vale enésimas longas-metragens. Uma experiência!

Pontuação Geral
Hugo Gomes
o-coro-dos-amantes-por-hugo-gomesO melhor - o trabalho técnico, narrativo e interpretativo / O pior - não existir mais trabalhos destes