Terça-feira, 21 Maio

“A Sala de Professores” alemã que pode conquistar o Oscar®

Com estreia marcada nos cinemas nacionais a 22 de fevereiro, o filme vai abrir a primeira edição da Kulturfest -Festival de Culturas de Expressão Alemã.

Forte candidato ao Oscar de Melhor Filme Internacional, “A Sala de Professores” foi um dos filmes mais marcantes da última Berlinale, inserida na secção Panorama.

No filme seguimos Carla (Leonie Benesch), uma professora que inicia o seu primeiro emprego numa escola secundária. Idealista, ela vê-se confrontada com uma série, recaindo as suspeitas num dos seus alunos. Decidida a descobrir a verdade, ela começa a investigar a onda de assaltos, que a levam para outra direção. Tentando balançar a sua vida e procurando, como propósito maior, a verdade, Carla vê-se envolvida numa enorme confusão onde a hierarquia escolar e as reações de alunos e dos pais levam a uma espiral louca de acontecimentos que vão por em causa a estabilidade de todos no estabelecimento de ensino.

Nascido na Alemanha, mas de origem turca, o realizador Ilker Çatak e o argumentista Johannes Duncker inspiraram-se num episódio real que passaram nos seus tempos de liceu. Nesse processo, criaram um dos filmes mais intrigantes e dramaticamente poderosos da temporada.

Foi em Berlim que nos encontrámos com o cineasta e descobrimos um pouco mais sobre esta “Sala de Professores”.

Alguns dos elementos do filme têm contornos autobiográficos. O que lhe aconteceu mesmo e o que foi ficcionalizado?

Andei na escola com Johannes Duncker e, creio que foi no 10º ano, que uma aula nossa foi interrompida por três professores. Eles pediram para as mulheres saírem e ficámos todos a pensar no que tinha acontecido. De seguida, aos rapazes, pediram para metermos as carteiras em cima da mesa e para irmos para a frente da sala. Encontraram muito dinheiro na carteira de dois alunos, que sabíamos que roubavam, mas que com aquela idade não íamos estar a acusar e ser traidores. Esses miúdos foram suspensos. Isso aconteceu realmente.

O que também aconteceu é que eu era um cidadão de origem turca e frequentemente era muitas vezes tratado de forma racista. Era parado pela polícia, sem qualquer razão para tal, apenas e só porque era turco.  Por isso mesmo, no filme, não é coincidência que o primeiro miúdo a ser acusado de roubar tem ascendência turca. Há muitas questões identitárias neste filme em relação a mim. Alguns pormenores são completamente verdadeiros e são apresentados como aconteceram, mas outros foram um pouco alterados. Já o disse antes: acho que não conseguiria fazer este filme se não fosse a minha conexão turca. Muitas das coisas que abordo no filme derivam destas duas fontes de educação que existem em mim, a influência alemã e a turca. O ser um miúdo turco no meio dos alemães marcou-me.  

Uma das maiores forças do filme é a atuação da Leonie Benesch. Como foi a sua interação com ela e o que lhe pediu para o papel da professora no centro dos eventos?

Tive o primeiro contacto com a Leonie em 2009, quando a vi no “Laço Branco” do Michael Haneke. Desde então, tenho-a acompanhado e fascina-me o seu trabalho, mesmo se o filme em que ela participava era mau. Pensei sempre, porque ninguém apostava nela para protagonista. Já queria trabalhar com ela e, quando estava a escrever o guião, já estava a pensar nela. Tinha mesmo um daqueles quadros com montes de coisas lá espetadas e uma fotografia dela. Ela gostou muito do guião e aceitou o papel. Depois disso, não comunicamos assim tanto, ou seja, não a guiei  na atuação. Ela chegava com o texto decorado, atuava em um take e já estava. Ela é alguém muito precisa na atuação e eu fazia apenas um segundo take das suas cenas por precaução. A Leonie tem algo que chamo de virtuosismo. É algo sobre o qual não falamos, como num mágico, que faz os seus truques, mas não falamos deles.

Leonie Benesch é excecional no papel de uma professora idealista

O facto dela ter feito parte das famosas shooting stars europeias no Festival de Berlim não o surpreendeu?

Nada. Para mim, essa distinção vem com atraso. 

Uma das características do seu filme é a forma como foca apenas na vida profissional da personagem da Leonie. Não sabemos nada da sua vida fora da escola. Foi uma opção consciente?

Sou alguém que acha que o carácter das pessoas se revela num momento de stress e de tomar uma decisão. Por isso, não me interessa muito saber se ela tem um cão ou gato, come cereais ou ovos de manhã. Para mim, isso não diz nada sobre a pessoa. Porém, no momento em que colocas uma personagem sob stress a ter de decidir sobre algo, elas revelam a verdadeira personalidade. Por outro lado, do ponto de vista de produção queria afastar-me da abordagem clássica, em que temos de filmar ali, acolá e além. Queria só um local e ter tempo para trabalhar com os meus atores. Filmamos tudo numa escola e, quando chegava aos sets, estava tudo pronto. Isso é um luxo que normalmente não tens no cinema. 

E essa escola funciona completamente como um espelho da sociedade…

A escola é uma miniatura da sociedade. Temos um presidente, gente com poder, os professores, os auxiliares e secretariado, além de um jornal. É um modelo da sociedade e, se olharmos para esta, temos várias camadas hierárquicas. É um espaço também de lutas de poder. 

O que combinei com o Johannes Duncker era fazer um filme sobre a sociedade e certos tópicos que estão a ser discutidos presentemente, como as fake news, a cultura do cancelamento, o racismo estrutural e o poder. Fico feliz pela abordagem que tivemos e que ela esteja a ser entendida globalmente. Tinha dúvidas se o filme conseguiria ser universal ou se ia funcionar apenas na Alemanha.

O filme levanta várias questões morais, procurando a diferença entre provas e assunções. Como trabalhou temas como a verdade no seu filme?

A verdade e o acreditar são os principais tópicos do filme. Quando olhamos para qualquer debate aberto publicamente, toda a gente tenta conquistar a verdade. Mas não existe uma única verdade. Esta é sempre, de certa maneira, subjetiva. Quando a verdade não é absoluta então torna-se num acreditar na tua verdade. Esta era a ideia principal do filme e o que era importante era entender que a verdade não é igual para todos. 

Se formos a ver, a protagonista molda os eventos à sua verdade, mesmo que a toda a hora esteja à procura dela como um propósito maior. Foi muito interessante escrever sobre como a verdade pode ser modelada. Num momento, a verdade pode ser esta e no momento a seguir pode ser outra. (…) Procuro sempre nos meus guiões criar um dilema moral, em que não há uma verdade e uma mentira, mas algo que precisa de um olhar mais cuidado. 

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