Construído de forma a nos fazer chorar do início ao fim, pregar o evangelho cristão e vender uma história de superação e resiliência perante todos os desafios, sejam humanos ou naturais, “Ordinary Angels”, aproveita a sua génese de construção a partir de uma história real para nos oferecer um chorrilho de pieguice, tudo através da mais pura manipulação sentimental. E desde os primeiros momentos, expositivos no enquadramento, que assim o é.

As primeiras cenas são do nascimento de uma menina, Michelle (Emily Mitchell). Passam cinco anos e a cena a seguir é novamente num hospital, agora com a mãe dessa menina, Theresa, a falecer. Ed Schmitt (Alan Ritchson), o pai, fica então com duas meninas ao seu encargo para educar, incluindo Michelle, que sofre de uma doença que a obriga a um transplante de fígado. 

As contas de hospital absurdas amontoam-se na vida deste homem, mas em vez de qualquer sentido crítico para com o serviço de saúde norte-americano, que condena os mais pobres ao abandono, responde-se com apelos à ajuda divina e ao sentido de comunidade (cristã). E essa ajuda vai chegar através de Sharon Stevens (Hilary Swank), uma cabeleireira com problemas com o álcool que vê na ajuda à criança órfã de mãe um propósito para uma espécie de redenção pessoal e daqueles que magoou ao longo da vida, como o filho, que se afastou dela. Será Sharon – numa espécie de cristã renascida sem nunca o dizer- que vai reunir a comunidade e até “apertar” com os políticos e médias da região para angariar fundos e meios para que a pequena Michelle possa ter o tratamento médico que precisa. Nesse processo, ela vai tropeçar várias vezes na vida de Ed Schmitt, só faltando mesmo mudar-se para a sua casa, como ele a certo ponto diz.

Fortemente estilizado visualmente, com cores e luzes carregadas artificialmente a servirem de túnel para levar o esforço emocional das personagens até ao espectador, e uma banda-sonora sempre a primar na tecla do “isto é tudo muito emocional, soltem as lágrimas”, “Ordinary Angels” nunca perde uma oportunidade de colocar elementos cristãos em cena, seja via diálogos sobre acreditar ou não em Deus, seja no falar para o céu, onde certamente a mãe de Michelle está, seja através da iconografia, com a presença de cruzes em várias circunstância. 

Joe Gunn, que anteriormente assinou filmes como “Jesus Revolution” e “I Still Believe”, ambos com mensagens cristãs por trás, sabe bem como contar esta história para um grupo claro de público, e é apoiado por dois atores com capacidades dramáticas para o fazer. O problema é que, além da dependência excessiva da história, toda a experiência cinematográfica de “Ordinary Angels” é feita exclusivamente para manipular emocionalmente o espectador e não o guiar por uma história real onde poderia haver algo para refletir.

Uma última nota sobre o título português do filme, “Anjos na Terra“, que aproveita a boleia do título da série dos anos 80 (Um Anjo na Terra) protagonizada por Michael Landon, onde este era um anjo enviado à Terra com a missão de ajudar pessoas em necessidade.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
ordinary-angels-anjos-na-terra-quando-o-estado-falha-ore-se-a-deusAlém da dependência excessiva da história, toda a experiência cinematográfica de “Ordinary Angels” é feita exclusivamente para manipular emocionalmente o espectador e não o guiar por uma história real onde poderia haver algo para refletir.