Abbas Kiarostami (Ten) e Jafar Panahi (Taxi) são talvez os rostos mais visíveis – e mediáticos do cinema de autor – da utilização central de carros no cinema iraniano, criando uma espécie de clichê que se tem repetido em trabalhos mais recentes, como “Hit The Road”, também ele passado quase exclusivamente numa viatura, em jeito de road trip. A verdade é que, além de serem uma peça fundamental de mobilidade na vida das cidades iranianas, estes espaços sobre rodas têm sido tratados igualmente como símbolos de independência e libertação, muitas vezes de demónios pessoais, outras de problemáticas sociais e políticas, longe dos olhares castradores do público e das polícias da moral, num estado regido de forma autoritária.

Em “Grand Me”, documentário de Atiye Zare Arandi, exibido no CPH:DOX, o carro é também um dos espaços libertadores para a pequena Melina, de apenas 8 anos, que não tem qualquer tipo de embaraço em criticar a mãe e o pai, que se divorciaram, “obrigando-a” a não viver com nenhum deles, mas com os avós. É verdade que ambos os progenitores já encontraram nov@s companheir@s, mas nenhum deles aceita ficar com a menina, devido à oposição dos novos parceiros. É neste caldeirão emocional que a tia da menina, a realizadora, decidiu filmar o dia a dia da pequena, dando primazia ao plano que esta engendra e que passa por iniciar uma batalha pela custódia, ou seja, levar os pais a tribunal, para que o poder judicial decida com quem ela ficar.

Claro está que os seus planos são desafiados pelas complicadas realidades da vida adulta, não apenas do ponto de vista da esfera pessoal da decisão dos pais, que a relegam para segunda escolha ao preteri-la pelos companheiros, mas no espetro social, pois há toda uma sociedade patriarcal que olha para homens e mulheres de forma diferente, e que está na centro (invisível) da rejeição à pequena.

Com delicadeza e energia, Atiye Zare Arandi filma tudo em modo de diário visual, captando a perspetiva inocente da menina, que constrói a sua própria visão dos eventos, enquanto usa a câmara e quem está atrás dela como confidente. E no meio de tudo isto estão os avós, a fonte emocional e o amparo mais rico e estável que Melina podia encontrar no meio de um caos de opções difícil de perceber e digerir. O momento em que o avô deixa a pequena pintar-lhe as unhas, enquanto usa o hijab, é das coisas mais ternurentas e bonitas de um filme incapaz de nos deixar indiferentes.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
grand-me-bem-me-quer-mal-me-querCom delicadeza e energia, Atiye Zare Arandi filma tudo em modo de diário visual, captando a perspectiva inocente da menina, que constrói a sua própria visão dos eventos, enquanto usa a câmara e quem está atrás dela como confidente.