Construído a partir de conversas intercetadas a soldados russos em solo ucraniano, entre março e novembro de 2022, “Intercepted”, presente no CPH:DOX depois da sua estreia mundial na Berlinale, é um festival de brutalidade e horror psicológico que mostra como esses militares têm sido afetados pelo conflito, com palavras de tal desumanidade que é impossível ao espectador, longe do conflito, de qualificar. 

Sejam as palavras de filhos para a mãe ou pai, para irmãos, ou esposas, encontramos de tudo um pouco, mas grande parte deles demonstram confissões cruéis de espancamentos, diversas formas de tortura, ou assassinatos, de militares e civis ucranianos, muitas vezes referidos via insultos étnicos, como Kokhols ou Banderites. Mas há também discussões sobre o propósito da guerra, algumas vezes com os soldados a questionarem o que estão ali a fazer, ou então os familiares, sempre com a contenção nas palavras, a darem a sua opinião contrária ou favorável à presença de russos na Ucrânia. E há também relatos macabros extra e intra combate, como quando um soldado confessa que o seu pelotão, farto das rações de combate, decidiu comer um Alabay, um cão pastor-da-Ásia-central, ou explica – passo a passo – como torturou alguém com um tubo de metal enfiado no anus, a que se acrescentou arame farpado.

Verdadeira loja de horrores, mas também de muita incredulidade e dúvidas, onde ainda temos um vislumbre da arte da propaganda russa perante os seus próprios cidadãos (veja-se a conversa sobre alegadas bases da Nato na Ucrânia), esta segunda longa-metragem de Oksana Karpovych complementa visualmente as palavras com imagens da destruição em cidades, vilas, aldeias e infraestruturas na Ucrânia, a que se acrescentam até carros de combate em marcha. O resultado é um objeto de uma potência dramática brutalíssima, que nos deixa constantemente a pensar no que será destes homens depois da guerra. Se sobreviverem, como vão superar essas memórias e ter vidas sãs. Essas mesmas conversas, do depois da guerra, também são interceptadas por aqui, mas tudo o que vem até nós é pessimismo e nada de cor-de-rosa para o o futuro. Deles, da Rússia e da Ucrânia.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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