Eleito pela primeira vez em 2010, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e o seu partido, o Fidesz, têm alterado progressivamente os sistemas jurídicos e eleitorais do país, garantindo dessa forma uma perpetuação no poder. Paralelamente, o panorama das empresas dos media do país tem vindo a ser conquistado por pessoas próximas a ele, num sistema parecido aos oligarcas russos e Putin. Tudo é negado por Orbán e pelos empresários, mas o certo é que ele vai-se mantendo no poder, movido principalmente pelo voto nacionalista, anti-migração e de oposição a questões identitárias que ganharam principalmente força nas democracias liberais. 

Se há coisa que sabemos é que, para se construir um herói, são precisos vilões e a narrativa de poder de Orbán coloca a União Europeia,  os seus “burocratas” e “corruptos”, na lista dos principais alvos. É uma linguagem que o português está familiarizado, via Chega e o seu líder André Ventura, por isso não é de estranhar que ele mesmo apareça também neste documentário a falar na defesa da Europa para manter a matriz cristã com uma política conservadora.

Democracy Noir”, assinado pela norte-americana Connie Field, faz uma pequena viagem a este universo conservador de Orbán e como a Hungria se tornou um símbolo de um regime nacionalista branco que é a inveja dos movimentos autoritários em todo o mundo, incluindo para os norte-americanos “Trumpistas” ou para a França idealizada por Jordan Bardella, líder da Frente Nacional de Marine Le Pen.

E esse trajeto, que mistura entrevistas com imagens de arquivo e outras capturadas em múltiplos protestos, é feito a partir daqueles e daquelas que lhe tentam, de alguma forma, oferecer oposição, centrando a atenção em três mulheres; a política da oposição Timea, a jornalista Babett e a enfermeira Nikoletta (Niko). Cada uma ao seu jeito, luta para expor a destruição progressiva da democracia na Hungria de Orbán, principalmente pela cada vez maior promiscuidade entre estado e poder económico, judicial e informativo.

Os factos falam por si, no que diz respeito à democracia moldada de perpetuação no poder por parte de Orbán, por isso a construção que a cineasta dá à sua narrativa fílmica, de heroínas mártires vs vampiros sedentos em manter o poder, acaba por dar ao filme uma “lavagem” simplista, facilmente classificada de panfletária. E quando a tristeza das vitórias de Orbán é impulsionada por uma banda-sonora dramática excessiva, abre-se caminho para os opositores a este trabalho o caracterizarem como propaganda. Exigia-se assim, na exposição destes pequenos grande ditadores que não se cansam de defender uma democracia nos seus moldes, uma abordagem mais frontal e direta dos seus pecados e um freio nas emoções e subjetividades, com tolerância zero a especulações e populismos.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
democracy-noir-a-erosao-da-democracia-na-hungriaA construção que a cineasta dá à sua narrativa fílmica, de heroínas mártires vs vampiros sedentos em manter o poder, acaba por dar ao filme uma “lavagem” simplista, facilmente classificada de panfletária, que apenas serve para polarizar discursos.