Construído em fina sintonia com a tradição dos wuxia, os épicos chineses de aventura, dos anos 1970 e 80, “O Panda do Kung Fu 4” tem sequências de luta tão vertiginosas quanto as de Tsui Hark, de King Hu ou do estúdio Shaw Brothers. Essa destreza no diálogo com a linhagem de pancadaria da China atesta uma dimensão pluralista que as animações esculpidas sob o cinzel do Filme Familiar alcançaram do fim de “Toy Story” (1995) até hoje, misturando géneros de uma forma mais equilibrada do que as narrativas em imagem real alcançam. Na realização, Mike Mitchell e Stephanie Stine imprimem humor, (muita) adrenalina, fantasia e psicanálise numa estrutura dramatúrgica de autodescoberta e evolução. Voz original do herói central, Jack Black, um dos mais subestimados talentos de Hollywood (veja-se “Margot at the Wedding” para entender do que ele é capaz) é a turbina que faz o quarto filme descolar, deixando o terceiro (e insosso) episódio para trás, no limbo.

Em Portugal, Marco Horácio, e no Brasil, Lúcio Mauro Filho, ficaram encarregues de dar carisma ao protagonista na dobragem/dublagem do panda Po, sem arranhar a massa de picardia e ironia que Black carrega consigo a cada fala. Não por acaso, em solo brasileiro e em Portugal, esta franquia criada em resposta histórica aos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, transformou-se num sucesso comercial. Globalmente, as bilheteiras dos três filmes anteriores, somadas, são de quase 2 mil milhões de dólares. O exemplar mais recente arrecadou 108 milhões de dólares em apenas sete dias em cartaz, com uma estreia em solo americano que coincidiu com o Oscar. A escolha de Black para cantar uma versão de “Baby One More Time”, de Britney Spears, com a sua banda, a Tenacious D, agarrou-se aos tímpanos dos internautas.

Isto é uma receita infalível. O novo filme é plenamente apoiado em receitas e fórmulas do início ao fim. Mas a precisão cirúrgica com que essas fórmulas são aplicadas, sem o menor empenho dos realizadores em disfarçar a dimensão mercadológica do seu projeto estético, torna o jogo comunicativo entre o filme e a plateia honesto e funcional, sob o tempero de uma divertida dose de “ritual de formação”.

Há elementos de “The Empire Strikes Back”, o Episódio V de “Star Wars”, na relação que Po vai estabelecer com a raposa Zhen (Awkwafina), ao perceber nessa ladina de mãos leves a força, ou seja, as manhas necessárias para se tornar a sua sucessora no posto do Dragão Guerreiro. O seu mestre, o feneco (autodefinido como panda vermelho) Shifu (na voz de Dustin Hoffman) crê que o panda deve evoluir e alcançar um degrau de evolução espiritual que muda o seu nível de combatente. Nessa evolução, ele precisa de alguém que o substitua. O desafio será ir atrás de suplentes no meio ao ataque feroz de uma feiticeira que muda de forma, a Camaleão, vivida por Viola Davis no ápice da crueldade.

Esse enredo gera sequências de combate que suspendem o fôlego do público, apoiadas num colorido vívido da direção de arte. O charme da voz de Black torna essa sinestesia mais intensa, valorizando as piadas. As tiradas cómicas que cabem a Hoffman (Shifu) são as mais engraçadas.

Pontuação Geral
Rodrigo Fonesa
o-panda-do-kung-fu-4-e-um-contra-ataque-ao-mais-do-mesmoO novo filme é plenamente apoiado em receitas e fórmulas do início ao fim. Mas a precisão cirúrgica com que essas fórmulas são aplicadas, sem o menor empenho dos realizadores em disfarçar a dimensão mercadológica do seu projeto estético, torna o jogo comunicativo entre o filme e a plateia honesto e funcional