Assim como o seu compatriota Stephen Frears, o inglês Michael Winterbottom é um ser anfíbio, situado entre a TV e o cinema, caracterizado por enorme ousadia nos seus retratos afetivos e até políticos, mas incapaz de carregar as imagens de uma marca de reconhecimento autoral formal. Já resvalou até no genérico, em filmes recentes (como “Greed”, que só pára de pé graças ao trabalho do ator Steve Coogan). Mas tem uma inegável habilidade para provocar debates sobretudo no que tangencia a exclusão e a demarcação de fronteiras territoriais. Foi assim que ganhou o Urso de Ouro com “In This World”, em 2003: fez um docudrama nada ortodoxo sobre afegãos em trânsito. Sai-se melhor no terreno da não ficção, embora tenha híbridos seminais, como “9 Songs” (2004), uma gincana de rock e sexo. No controle das engenhocas de cinema de género, ele opta sempre pelo drama (ou dramédia) político, mas namora com o o épico, como se vê no ambicioso “A Terra Prometida” (“Shoshana”).

O guião foi escrito por ele com Laurence Coriat e Paul Viragh. Apesar da sua habilidade de filmar rápido e barato – e de filmar muito, numa soma de 50 títulos no currículo -, o cineasta levou quase doze anos para tirar o argumento do papel. Queria incialmente Jim Sturgess, Colin Firth e Matthew Macfadyen para os papéis centrais. O seu lançamento agora, precedido por uma exibição no Festival de Toronto, incendiou polémicas ligadas à guerra histórica de Israel e da Palestina, terreno temático da sua longa-metragem – filmada, apesar disso, em Itália.

Bem apoiado na performance da atriz Irina Starshenbaum, no papel de Shoshana Borochov, Winterbottom viaja ao passado, quando a Palestina se encontrava debaixo do controlo das autoridades britânicas. O povo estava sob o jugo do Palestine British Mandate (Mandato Britânico para a Palestina), que fora aprovado em Londres a 22 de Julho de 1922. Era o estamento de uma ocupação que, na prática, transcorria desde o final da Primeira Guerra Mundial. Num contexto da passagem dos anos 1930/1940, os agentes da polícia Tom (Douglas Booth) e Geoffrey (Harry Melling, em pavorosa atuação) perseguem o militante sionista Avraham Stern (Aury Alby).

Num gesto cinéfilo que evoca o titã David Lean (1908-1991) e “Ryan’s Daughter” (1970), Winterbottom insiste em carregar a sua película para o terreno da história de amor e ensaia uma interseção (pouco crível) entre Shoshana (filha de um militante de esquerda que largou a Rússia natal para se instalar em Telavive) e Tom. Mas a maldade digna de Darth Vader do seu parceiro Geoffrey (em mais uma atuação constrangedora de Melling) embota os ânimos, num filme que é feliz em rastrear a vida boémia do canteiro da Terra que escolheu para mapear.

Mas nota-se, já nas sequências iniciais, um mal que entrou em metástase na filmografia de Winterbottom: num mundo deveras polarizado, embevecido pelo ódio, a demasiada empatia que ele imprime soa pueril e faz desandar a tentativa de polemizar. Ele era mais feliz nos tempos do thriller de tom queer “Butterfly Kiss”. Ainda na primeira e bem-sucedida fase da sua obra, entre os anos 1990 e 2011 (data de “Trishna”, o seu último sucesso), concorreu à Palma de Ouro por três vezes. Foi disputar a láurea consagrada da Croisette com “Welcome to Sarajevo” (1997), “Wonderland” (1999) e “24 Hour Party People” (2001). Aquele Winterbottom faz falta.

Pontuação Geral
Rodrigo Fonesa
a-terra-prometida-um-witterbottom-ainda-sem-marca-e-agora-sem-vicoNum gesto cinéfilo que evoca o titã David Lean (1908-1991) e “Ryan’s Daughter” (1970), Winterbottom insiste em carregar a sua película para o terreno da história de amor