A 16 de outubro de 2019 iniciaram-se protestos em Beirute; uma multidão de libaneses, na sua maioria jovens, homens e mulheres, ocuparam as ruas por vários dias. Dentre eles, 4 mulheres participaram e registaram os atos em imagens. Os protestos eram contra o desemprego, o alto custo de vida, a crise sócio-político económica, a corrupção e a má gestão governamental. 

E, claro, os ativistas foram fortemente repreendidos pela polícia.

Tais mulheres são as jovens protagonistas de um filme: a iraquiana e operadora de câmara Lujain, a jornalista Hanine, Michelle e Noel Keserwany – duas irmãs cantoras, cujas canções politizadas e bem humoradas expõem conflitos sociais e problemas do país. Elas cantam em estilo rap e projetam as suas vozes para a sua geração.

Elas cantam o passado e o desafiante presente do Líbano. São filhas de pais libertários que lutaram e resistiram à guerra civil deste país (de 1975 a 1990), como relatam no filme.

Em certo momento, a jornalista declara: “o meu pai ensinou-me a questionar tudo“.

eye of storm 

Outra disse: os nossos pais nos inspiram, estimulam a reivindicar os nossos direitos e a sonhar com dias melhores.

Elas comentam e expressam os seus pontos de vista sobre o que aconteceu no Líbano nos últimos anos, discorrem e criticam a situação política, alternando com factos e relatos das suas próprias vidas e famílias. Seja pessoalmente, através de imagens inquietas que elas próprias gravaram (uma delas aspirante a cineasta) durante os protestos, mas também por meio de conversas em vídeos, gravados por Skype e Smartphones, 4 meses após os protestos, quando a pandemia Covid-19 obrigou a população a se confinar, esvaziando as ruas de Beirute.

Este é o foco do filme “Beirute: Eye of the Storm(Beirut fi Ain Al-Assifa, 2021) de Mai Masri (1959-). Realizadora, nascida na Jordânia, com nacionalidade palestiniana e norte-americana, residente principalmente no Líbano, ela estudou cinema na Universidade do Estado de São Francisco no início dos anos 1980, e desde então tem dirigido e produzido vários documentários premiados.

“Beirut: Eye of the Storm” tem 75 min, documenta, portanto, acontecimentos recentes e turbulentos do Líbano , o olho da tempestade como bem demonstra o título dado por Masri. Foi exibido em Lisboa na noite de 18/11 no Cinema São Jorge, no âmbito do Festival Olhares do Mediterrâneo.

A crise política e económica que o Líbano atravessa há anos foi intensificada pela explosão de nitrato que houve no Porto de Beirute no dia 04.08.2020. Catástrofe que destruiu inúmeros prédios e casas, 200 vidas, deixou muitos feridos e desabrigados, muito trauma e dor.

O governo não tomou iniciativas, foi a população que limpou as ruas. Os restos dos prédios e casas ainda estão lá, como relata um jovem arábe que estava no debate após a exibição do filme.

Outra libanesa presente, declarou que, nos dias que correm, muitos jovens migram para outros países por causa do amplo desemprego e empobrecimento, da economia em colapso e endividamento do país; a situação está cada dia pior, num salve-se quem puder.

Os protestos de 2019 tiveram êxito, levando o Primeiro-Ministro Saad Hariri a se demitir, o que mostra que “o povo unido jamais será vencido“. A sua saída forçada pode apontar uma possível mudança no futuro do país, se o povo novamente se organizar e recompor a sua força de agir para enfrentar o campo de batalhas.

As quatro mulheres são corajosas, lutaram e resistiram, mas sabem que reivindicar uma vida digna não tem sido fácil por lá. Uma delas, depois da explosão no Porto, indaga: “Porque não nos revoltamos?”. 

Acho que, porque exauriram, ainda que temporariamente, as forças do povo para continuar a lutar e resistir.

Isto, me levou a pensar na situação tenebrosa que o povo brasileiro viveu nos últimos 4 anos sob um governo tirano, e porque desistiram de enfrentar nas ruas o terrorrismo de Estado. Porque estavam fragilizados, temiam a repressão policial e tinham medo de morrer.

Do ativismo e resistência das pessoas que foram às ruas se oporem ao governo, talvez possa surgir um novo Líbano.

A realizadora construiu a narrativa fílmica com as imagens feitas pelas 4 jovens e outras que ela mesma filmou. Tudo coeso, de forma responsável e consciente politicamente. Além de protestos populares, o cinema combatente e atento à realidade contribui para chacoalhar situações sociais acomodadas, mas insuportáveis, e gestões mal intencionadas de certos governos.

Beirute: Eye of the Storm é produzido pela Mai Masri/Nour Productions e coproduzido por Les Films d’Ici; com direção de fotografia de Jocelyne Abi Gebrayel e montagem de Carine Doumit, um filme inteiramente realizado por mulheres.

Pontuação Geral
Lídia Ars Mello
beirute-eye-of-the-storm-do-cinema-combatente-de-mai-masri“Beirut: Eye of the Storm” tem 75 min, documenta, portanto, acontecimentos recentes e turbulentos do Líbano, o olho da tempestade como bem demonstra o título dado por Masri.