Difícil de observar o mais recente filme de Laura Wandel, “Un Monde/Playground” (Recreio), o qual depois da sua estreia em Cannes na secção Un Certain Regard invadiu San Sebastián com uma rara destreza psicológica na análise a dois irmãos que vão pela primeira à escola e que têm de lidar com um mundo novo de relações sociais e hierárquicas que vão incutir neles um espirito de verdadeiro “salve-se quem puder”.

Uma chegada a um espaço formador cujo impacto é (físico e psicologicamente) violento, iniciando os miúdos um novo ciclo de vida no qual a aprendizagem e formação da personalidade andam de mãos dadas, agora bem longe da proteção do ambiente seguro do lar. E nesse confronto com uma nova realidade, a própria união que previamente existia entre os dois é abalada, produzindo em ambos as primeiras grandes cicatrizes que os vão acompanhar toda a vida.

E Wandel, que tem aqui um dos fortes candidatos ao Oscar de Melhor Filme Internacional nos próximos prémios da Academia (é a escolha belga), tem uma abordagem, um olhar sobre essa chegada a território virgem, como se estivéssemos num filme de terror ou de guerra, usando um minimalismo de procedimentos e uma câmara permanentemente claustrofóbica, quase sempre ao nível da estatura dos miúdos, que amarra e confina os seus protagonistas a este local neutro e frio onde tudo é demasiado grande, estranho e perigoso.

O calor do lar e as relações protegidas e privilegiadas dissipam-se, permanecendo o espectador encurralado a um território com as suas próprias leis, que supostamente vão preparar os miúdos para o mundo ainda mais duro (de predadores e presas) que está fora da escola.

Dos irmãos Dardenne a Alan Clarke, há notas claras do realismo social (até na forma como é apresentado o pai dos dois miúdos, desempregado) no trabalho da realizadora, mas é no flirt com os códigos de genéro que Wandel constrói um filme permanentemente tenso, numa abordagem de suspense que nos deixa em permanente desconforto e que – apesar da diferença temática – faz lembrar o que Xavier Legrand fez em “Custódia Partilhada“(Jusqu’à la garde).

E é impossível não mencionar a prestação da jovem atriz Maya Vanderbeque, carregada de expressões e trabalho corporal que quase escusa o filme das suas palavras. Absolutamente impressionante o trabalho desta “miúda”, naquele que foi certamente o melhor papel de uma criança no cinema desde Helena Zengel em “System Crasher”.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
playground-o-recreio-como-um-teatro-de-guerraHá notas claras do realismo social no trabalho da realizadora, mas é no flirt com os códigos de genéro (como o terror e filmes de guerra) que Wandel constrói um filme permanentemente tenso e profundamente desconfortável