Se começamos por dizer que Il Traditore é o melhor Marco Bellocchio em anos, estamos a reduzir a potencialidade do atual cinema italiano que sofre com a queda dos antigos maestros e que persiste em estafetas do legado. Talvez seja por questões naturais, a cedência para com a morte tenha levado Bellocchio a ser considerado numa espécie de novo “veterano”, conquistando o título há muito tempo cobiçado de “mestre”.

Com esta história baseada na vida real de Tommaso Buscetta, membro da Cosa Nostra que se tornou no primeiro informador de Sicília, o realizador segue por dentro do universo do cinema da Máfia, e com autocensura de nunca reduzir-se aos lugares-comuns, hoje partilháveis no território da caricatura, consegue gerar um filme energético e consistente na sua simplicidade de “storytelling“. É uma obra de um claro esforço de nunca sobressair do formalismo no qual está inserido, e diríamos mesmo sob um efeito de fórmula, sendo por vezes nisso que reside o seu maior trunfo: uma aura de cinema semipolitico conscientizado na universalidade da narrativa.

Partimos então na envolvência de Pierfrancesco Favino, que sob as suas vestes de cordeiro/lobo carrega Il Traditore para terreno afável, um filme que ama a sua personagem e esse amor é vivido, não só pelo realizador, como também pelo seu ator. O seu carisma é frutífero para a construção de um protagonista que facilmente poderia estar condenado a cumprir sentença no esquematismo. Com Bellocchio, os seus ensinamentos na arte de embelezar o enredo para um foco moral servem como armas para que o “traidor” cumpra a sua missão como um ato de subsistência e misericórdia. Depois, são as pequenas pérolas deixadas pela experiência de um homem que conquista por fim o seu trono no panorama cinematográfico italiano.

Dentro dessas “preciosidades”, encontramos cenas como aquelas que decorrem em tribunal. O hall da justiça funciona como um cenário caótico que explicita a ebulição política e de agenda oculta da época, simbolizando o fim da romantização à Máfia (“palavra inventada pela imprensa“), ou melhor, da Cosa Nostra. A metáfora do apocalipse moral dentro dos réus. São essas mesmas cenas que Il Traditore encontra a sua essência de vida, afastando-se do simples biopic criminal, através de uma biografia à criminalidade. E mesmo que Bellocchio embarque no fim premeditado desse amor de grande ecrã pelo universo da máfia siciliana, o filme tende em procurar um teor de encanto (descrito principalmente na fábula episódica que acompanha a cruzada de Buscetta) a esse desencanto que o atual cinema italiano parece estabelecer no mesmo território. É através desse termo que o realizador mostra a nossa alternativa de nostalgia, mas através dele é o mesmo que olhar pelo buraco de uma agulha.

É o legado a pesar. Porém, Il Traditore emancipa-se como um reciclado refresco do género.