O conto do QuebraNozes, iniciado pela criatividade de Alexandre Dumas, atravessou todos estes anos metamorfoseando-se nos mais diferentes territórios artísticos, sendo o mais marcante a sua conversão a bailado por Tchaikovsky, que estreou em 1891. Contudo, no cinema, não iremos conseguir destacar nenhuma versão, não por falta de tentativas, mas pela falha de adaptabilidade do ballet ao grande ecrã. Este The Nutcracker and the Four Realms é um exemplo dessa pólvora seca.

Eis o exemplo de como transformar algo simples e orgânico numa “história da carochinha” que se confunde com a homogenia industrial da atualidade (e até podemos apontar o dedo à Disney nesta sua apropriação). Nem estamos a referir o elo intelectual entre a matéria-prima e este reflexo espectral, o que nos ferve o sangue é como o ditado se torna na regra generalizada para concretizar produções. Por palavras mais precisas e até vulgarizadas, este Quebra-Nozes é um cliché, transformando o legado num mero arquétipo infanto-juvenil refém de uma fantasia espalhafatosa e sem um pingo de criatividade. Além disso, o CGI refere-nos como o elemento enfraquecido. somos apresentados a uma produção tão entranhada no artificio tecnológico que ele próprio ostenta uma artificialidade abismal. A ter em mente um travelling que percorre uma cidade “fabricada” … diria antes … computorizada, onde uma multidão de “bonecos” revela essa discrepância visual. É como o pior dos videojogos nos dias de hoje, onde nem um mocho sobrevive a esses esquemas de bits e bytes.

Com isto, perde-se textura e dimensão nos cenários reluzentes e coloridos (infantilmente coloridos), e os atores, perante tal visão (imaginamos a quantidades de ecrãs verdes que os devem rodear), são automatizados e cujos olhares raramente se cruzam (e como podem?), porque tudo mira o vazio. Se filmes como Polar Express e Beowulf (ambos de Zemeckis) assumem a sua artificialidade, no caso de Nutcracker persiste uma oscilação identitária, resultado obvio dos problemas “atirados para debaixo do tapete” de uma produção atribulada.

Claramente, tal é exibido através de uma direção partilhada entre o sempre meloso Lasse Hallström (saudades dos tempos de My Life as a Dog) e de Joe Johnston, ou de uma edição desconjurada e arrítmica. Poderíamos avançar no esmiuçar desta rotineira fantasia para creches, mas há que mencionar a falha das suas falhas – em O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos o que falta realmente é amor. Não há qualquer indicio de amor neste e para com este filme.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
the-nutcracker-and-the-four-realms-o-quebra-nozes-e-os-quatro-reinos-por-hugo-gomesVazio tecnológico sem paixão