Era apenas uma questão de tempo, sabíamos bem, até o Kosovo –  um território que geograficamente fez parte da antiga Jugoslávia e que se tornou independente depois de uma guerra civil violenta – começar a ter os holofotes dos certames internacionais ligados ao cinema apontados na sua direção.

E ainda no rescaldo dos bons resultados no universo festivaleiro de “Andromeda Galaxy”, “Exile” e de “Hive”, que recentemente conquistou prémios em Sundance, a kosovar Norika Sefa levou este fim de semana para casa o prémio especial do júri em Roterdão com o seu “Looking For Venera”, no qual observa três gerações de mulheres presas entre a modernidade e tradição patriarcal numa aldeia que carrega ainda o fardo do passado da guerra. 

O foco é Venera, uma miúda que, tal como a georgiana Ariadna do filme Bebia, à mon seul désir” (também presente em Roterdão), vê-se inserida numa sociedade e família onde a individualidade e privacidade são abalroadas por tradições seculares e imposições paternais que condicionam uma adolescência carente de liberdade de decisão e opinião.

É sob influência da sua amiga Dorina que a jovem começa a dar os primeiros passos de “rebeldia” para definir o seu destino, embarcando com esta nas escapadinhas frequentes de uma juventude que acima de tudo não quer repetir as relações mecanizadas pela tradição, e não pelo amor, que vislumbram nos pais. “Nunca vi os meus pais beijarem-se”, diz ela a Dorina, cimentando perante a amiga aquilo que não se quer transformar, mesmo que não saiba ainda (efetivamente) o que quer ser.

Norika Sefa filma tudo num registo ficcional carregado de tons, ora reconfortantes, ora frios, que muitas vezes se sentem com raízes no documentário observacional, enchendo todos os momentos, em particular as reuniões familiares, de um sentido comunitário que evoca uma moral superior e cataloga os bons costumes, os quais são definidos por uma sociedade que ser quer manter patriarcal. Por isso mesmo, Venera não pode ir a determinados eventos e sítios sem um companheiro masculino, coisa que encontra na figura de um vizinho, que juntamente com um rapaz mais velho, vai formar um triângulo amoroso com ela no centro, apimentando a carga hormonal em cena. 

Este é também – tal como “Bebia, à mon seul désir”- um filme de amadurecimento e com foco no detalhe, nos quais a decisão sobre a própria vida tenta dissolver padrões coletivos, normalizados e obsoletos no que toca ao papel de cada um dos géneros na vida social e família.

(Crítica originalmente escrita em fevereiro de 2021)

Pontuação Geral
Jorge Pereira
looking-for-venera-jornada-de-emancipacao-numa-sociedade-patriacalNorika Sefa filma esta história de amadurecimento e emancipação num registo ficcional que muitas vezes se sente com raízes documentais