Ana Rocha de Sousa não se livra de alguns simbolismos imagéticos à procura de um significado maior do que o que têm, como quando a pequena Lu (Maisie Sly) “voa” num muro a olhar para o céu (conseguindo a imagem para o poster e que vislumbram acima), mas simultaneamente impressiona pela austeridade de palha narrativa e desvarios estéticos contemplativos neste  “Listen”, a sua primeira longa-metragem de 75 minutos que se afirma como um filme político e militante (de crítica direta e sem alegorias), enquanto paralelamente age como um melodrama familiar – que até toca no thriller – baseado em factos reais.

É da conjugação de uma série de factores bizarros que se unem aparentemente por coincidência (uma criança com nódoas negras sem o aparelho auditivo a funcionar, outra com febre, e ambos os pais com dificuldades económicas) que levam os serviços sociais britânicos a retirar a guarda dos três filhos a Bela (Lucia Moniz) e Jota (Rúben Garcia), dois portugueses no Reino Unido entregues à sua sorte em tempos de extrema dificuldade, precariedade e desemprego. Segue-se um processo de adoção forçada, num caso que deu que falar e muita tinta fez correr na imprensa.

Ora, coube a Ana Rocha de Sousa, atriz principalmente conhecida por “Riscos”, mas que quer afastar-se desse epíteto, a transposição para filme de uma história que nas mãos da maioria dos cineastas nacionais facilmente cairia numa docuficção padronizada para um pequeno circuito de festivais aplaudir, ou então no mais profundo melodrama telenovelesco, exibido no grande ecrã com o título de cinema, mas efectivamente um telefilme.

Ao invés,  Ana Rocha de Sousa executa um filme “muito inglês”, de realismo social sem concessões à miséria do país e das sua classe operária e migrante, dos seus problemas sociais e económicos (desemprego, falta de oportunidades) incidindo numa verdadeira crítica às políticas públicas, tal como Ken Loach fez em grande parte da sua obra (“Kes”,Riff-Raff, “Raining Stones, “Carla’s Song, “Sweet Sixteen”, “Ladybird Ladybird“, “Eu, Daniel Blake” e o mais recente “Passamos por Cá)

O resultado é um filme raro na nossa cinematografia, premiado em Veneza com 2 prémios oficiais (e mais 4 não oficiais), que carimbam Ana Rocha de Sousa como um nome a seguir no panorama do cinema português, cada vez mais diverso, mesmo que se apresente de alguma forma menos original.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
listen-realismo-britanico-coracao-portuguesAna Rocha de Sousa executa um filme “muito inglês”, de realismo social sem concessões à miséria num país de 1º mundo e da sua classe operária, muito ao jeito de Ken Loach