O protagonista da primeira longa-metragem de Gonçalo Waddington raramente abre a boca, deixando para os outros o peso e os benefícios de estarem sempre a falar. É antes através do olhar que ele denuncia o pavor e a fúria que o atormentam, desde que há cerca de uma década, ainda antes da puberdade, foi raptado dos seus pais portugueses e levado algures para o mundo francófono (quando o conhecemos vive em França, mas o seu captor é belga). Com uma infância cindida entre o amor da família em Portugal e o terror do tráfico pedófilo, também a sua psique se divide entre a violência própria do pós-trauma e o consolo de ter retornado à casa da mãe.

A vida hedonista que levava em Paris, abundante em álcool, droga, dança, música e sexo, em tudo contrasta com a pacata existência da aldeia da Beira a que regressa depois de ter sido apreendido pela polícia e identificado como Mário, um rapaz desaparecido que as autoridades procuravam há anos. Distante da família com quem tem de aprender a voltar a conviver, o retorno de Mário é longe de pacífico e representa realisticamente as fraturas profundas de uma família forçada a separar-se. Quando uma prima próxima o vem visitar e lhe pergunta de que sentiu mais falta, logo ele lhe responde: «A língua». É que as suas experiências de vida ensinaram a Mário uma nova linguagem, literal e figurativamente. O francês é agora o idioma em que se sente mais fluente, mas é também a nova forma com que ele se move no mundo – violenta, reprimida, repleta de desconfiança e insegurança – que constitui uma nova linguagem. A ternura, a pertença a uma família e capacidade de se exprimir sem represálias que o português representa é para ele um universo distante do mundo bárbaro e cruel a que se teve de adaptar.

Assim, a dificuldade do regresso de Mário fundamenta-se numa incapacidade de comunicação, materializada na barreira linguística, mas principalmente derivada de uma barreira comportamental, de linguagens emocionais incompatíveis. A cada passo em frente de aproximação, abertura ou carinho, Mário responde com distanciamento, repressão e agressividade.

É a própria identidade desta personagem que, em última análise, é posta em causa com o seu retorno à terra natal. Em França, Mário chama-se Patrick, vive com um parceiro e leva uma vida de excessos. Em Portugal, tem de assumir o papel de filho, sobrinho e primo, prescindir dos prazeres que lhe permitiam esquecer o trauma, e (cor)responder às expetativas da família. O grande alvoroço emocional desta personagem é a sua identidade incerta, que não cabe dentro dos sucessivos nomes que lhe são dados – Patrick, Mário, amante, filho, homossexual, vítima. Não encaixando em nenhuma destas categorias totalmente, a sua autoimagem torna-se cada vez mais difusa.

A presença sedutora de Hugo Fernandes no papel principal e a realização observadora de Waddington tornam este retrato desconcertante. Waddington filma e monta o filme, com o diretor de fotografia Vasco Viana e o editor Pedro Filipe Marques, de forma a dar tempo e espaço às situações e personagens para ferverem em lume brando. Juntamente com Teresa Sobral no papel de mãe atormentada e Alba Baptista como prima, o triângulo que se forma atinge um equilíbrio raro no cinema nacional, cada ator contrapondo e fundindo-se com o outro de forma credível.

O que destrói a autenticidade desta história é o desenlace, que na sua vulgaridade de lugar-comum cinematográfico destoa com a seriedade do resto do filme. O tom irrealista, que cai na tentação de resolver a intriga nos últimos minutos, não é coerente com o exercício de contenção a que a maioria da obra se dedica. Embora demonstre como a violência se perpetua num círculo vicioso – e insidioso –, este não é um final digno de um dos filmes portugueses mais promissores dos últimos anos.

Sob uma lógica de “panela de pressão” que relembra experiências recentes como em “You Were Never Really Here“, Patrick acaba por explodir de uma forma tanto inevitável como previsível. Ao contrário do título – que, parecendo simples e comum, é um dos poucos títulos com o nome do protagonista que tocam no cerne da pergunta principal da narrativa –, a conclusão foge ao problema real do protagonista e envereda pelo caminho irresponsável do choque e do espalhafato.

Pontuação Geral
Guilherme F. Alcobia
Jorge Pereira
patrick-os-nomes-que-nos-daoNo seu debutar atrás da câmara, Gonçalo Waddington foge de muitas das tendências perniciosas do cinema nacional e cai em outras. O resultado é impressionante, e bastante promissor.