O combate ao narcotráfico e a derrota da política proibicionista estão em foco neste objeto ímpar no panorama do cinema iraniano que passou pelo Festival de Veneza

Payman Maadi (Uma Separação) lidera as operações contra o tráfico de droga no Irão neste “Just 6.5” (A Lei de Teerão), um filme que começa de forma corriqueira num “assalto” policial a um pequeno traficante,passa por descampados repletos de mortos vivos toxicodependentes e depois ensaia uma subida na hierarquia do crime, abordando as mulas, os pequenos traficantes, os intermediários, e inevitavelmente um barão do crime, um “Escobar” depressivo e muleta de uma extensa família . E se há coisa que o cinema iraniano é muito bom é na forma como usa o espaço (muito confinado) e o tempo (sempre fluído num tic tac constante) a seu favor para combater as limitações dos meios produção, arrastando o espectador durante 2h15 minutos numa vertiginosa e surpreendente visita a territórios virgens nestas paragens.

Saeed Roustayi, que há dois anos já tinha surpreendido com o argumento do muito interessante “Blockage” [passou no Fest em Espinho), que acompanhava a polícia, mas num exercício mais debruçado sobre a corrupção moral, eleva a fasquia neste “A Lei de Teerão“, que do filme policial transforma-se em drama prisional e filme de tribunal, sem esquecer uma análise política aos resultados alcançados pela política contra o narcotráfico no território.

No final, temos um thriller mais à Friedkin (Incorruptíveis Contra Droga) e a Villeneuve (Sicario) que à Padilha (Tropa de Elite), incomparável na cinematografia deste país, onde até temos um momento “Offside“, quando um grupo de mulheres entre os detidos lá explica que estão em modo “rapaz” para escapar a outro tipo de censura.

E mesmo apesar de algumas deficiências na construção, ligadas às tais limitações, A Lei de Teerão revela-se um retrato muito negro e ímpar das dificuldades da justiça e das políticas em combater um flagelo intoxicante que não conhece raças ou religiões. Noção disso é a frase do nosso protagonista a certa altura, quando toma consciência que quando começou a luta contra esta criminalidade existiam 1 milhão de toxicodependentes e agora, anos depois, o número subiu para 6.5 milhões. Os 6.5 do título.

É cinema iraniano muito longe do que estamos habituados a ver, que se insere numa nova vaga que não tem medo em tocar em assuntos tabu que vão desde o aborto (Being Born), a problemas financeiros (Boarding Pass; Negar; Gilda), crime/corrupção/injustiça (Negar; Invasion; Lantouri; Deny; Gaze; e Blockage), e dilemas morais vários em conflito com o pensamento geral da sociedade iraniana (Melbourne; A special day; The Home; No Date; No Signature).

(Crítica originalmente escrita em setembro de 2019)

Pontuação Geral
Jorge Pereira
a-lei-de-teerao-era-um-vez-o-narcotrafico-no-iraoUm retrato muito negro e ímpar das dificuldades da justiça e das políticas em combater um flagelo intoxicante que não conhece raças ou religiões