“How far are we?”
”From what?”
”From yesterday.” 

Chama-se Martha. Mas tem cara de Marcy May, e por vezes responde pelo nome de Marlene (Lewis).

A certo ponto, Martha pergunta à sua irmã a que ponto distam do dia de ontem. É uma pergunta rasteira, uma vez que temos aqui uma junção de conceitos espaciais com temporais. Para Martha, recém-saída de uma seita rural peculiar, como quem sobrevive aos últimos minutos de um qualquer filme de terror, o tempo acabou por se fundir com o espaço que a rodeia. O tempo prega rasteiras, e a realidade passada/presente é também ela questionável. A sua desorganização reflete-se também no filme, fragmentado, sempre oscilando entre passado e presente, memórias e pesadelos, mas nunca perdendo o seu sentido de unidade narrativa. Mérito total do realizador e argumentista Sean Durkin, que com um simples filme se transforma assim no nome mais promissor do novo cinema norte-americano. A realização é de facto aqui um dos pontos fortes do filme – nunca subestimando o espectador, e apoiando-se o mais possível no poder das imagens para contar subtilmente o que não está escarrapachado nos diálogos.

Quem também merece toda a atenção para futuros voos, se o mundo for minimamente justo, é Elizabeth Olsen, que, no papel titular (o seu primeiro, também), mostra já mais talento e capacidade de entrega que as suas irmãs gémeas juntas nas mais de duas dezenas de filmes que participaram. Será porventura a estreia mais auspiciosa de uma atriz vinda de Hollywood desde que vimos Bryce Dallas Howard cega em “The Village” – curiosamente um outro filme com os seus rituais rurais macabros. Destaque ainda para a presença de John Hawkes, que depois da nomeação ao Oscar com “Despojos de inverno” arranja um outro papel igualmente arrepiante – o de chefe da seita (esperemos é que não fique preso a este tipo de papéis…). 

“Martha Marcy May Marlene” não é filme de digestão fácil, pode-se dizer. Mas é ainda assim de visionamento mais que obrigatório para quem tenha a disponibilidade para mergulhar nas suas águas bem profundas. Quem deixar o filme entrar, encontrará aqui certamente uma das experiências mais singulares do ano, capaz de deixar desconcertado o mais experiente dos espectadores. 

Pontuação Geral
André Gonçalves
Jorge Pereira
martha-marcy-may-marlene-por-andre-goncalves“Martha Marcy May Marlene” não é filme de digestão fácil, pode-se dizer. Mas é ainda assim de visionamento mais que obrigatório para quem tenha a disponibilidade para mergulhar nas suas águas bem profundas.