A riqueza da Europa é algo recente e muito desigual: se por um lado a pobreza parece estar a diminuir, por outro lado, em todos os países vamos encontrar exemplos muito recentes de emigração não-especializada (leia-se: de pobres, não de técnicos), de crianças descalças a morrerem de doenças evitáveis e a não irem à escola para trabalharem com os pais. Isto quer dizer que a maioria de nós tem na sua família exemplos desta miséria, desta diáspora (ainda que para muitos seja dentro do próprio país) e dos impactos das decisões tomadas por pessoas em posições de poder que estão dispostas a sacrificar os outros por uma qualquer ideologia nacional ou política. Esta é a história da Europa até à primeira metade do séc.XX, havendo já muitos livros e filmes que a exploram. “Interdito a Cães e Italianos” conta uma dessas histórias, de uma família Piemontesa, cuja pobreza a leva a uma forma de nomadismo, à procura de formas de subsistência, e que, numa única geração, atravessa vários momentos chave da história da Itália e da Europa.

Animado em stop-motion, o filme é uma espécie de diálogo entre o realizador e a sua avó, que lhe vai contando a história da família, ao mesmo tempo que vai interagindo com ela. Isto vai permitindo uma série de gags que aliviam o que é uma história trágica, em que várias mortes se vão sucedendo e em que o absurdo da pobreza leva ao desespero de ações que são feitas como inevitáveis e naturais. Mas é nesse equilíbrio delicado entre a tragédia e a comédia que o filme vai avançando e explorando a negligência cruel de algumas ideias que estão na base do conceito da Europa.

Se, nesta mesma competição de longas da Monstra, há outros filmes que se pretendem anti-guerra, como o absurdo “Guerra de Unicórnios” (que estranhamente ganhou o Grande Prémio) onde o deleite em explorar o belicismo e a atrocidade parecem entrar em conflito com a mensagem, aqui a guerra é mostrada como estúpida e cruel que é, sem grande interesse no seu espetáculo, tornando esse ponto muito mais claro. Outro tema explorado de forma clara e pertinente é o fascismo e a relação da religião com os pobres, ambos mais interessados em explorá-los do que em ajudá-los. E isto torna-o um filme muito importante neste momento em que a extrema direita ganha força em vários países e a morte das pessoas que passaram por estes períodos históricos leva a uma amnésia generalizada e leva vários a olhar para um passado romantizado e dizerem “Antigamente é que era bom!”, ignorando a fome, a pobreza, a doença, a violência e tudo o que antes se sofria.


Crítica de Jorge Pereira

Pontuação Geral
João Miranda
Jorge Pereira
interdito-a-caes-e-italianos-antigamente-e-que-era-bomUm filme muito importante neste momento em que a extrema direita ganha força em vários países e a morte das pessoas que passaram por estes períodos históricos leva a uma amnésia generalizada