Desesperada à procura de conteúdos que se transformem em franquias, afinal de contas a concorrência (especialmente Disney e HBO Max) exploram até ao tutano os universos históricos que possuem (Marvel, DC, Star Wars), a Netflix apostou em mais um projeto de ação musculada com um elenco sólido – Ryan Gosling, Ana de Armas e Chris Evans -, um camião de dinheiro (200 milhões de dólares) e a dupla de realizadores Anthony Russo e Joseph Russo (“Vingadores” e o penoso “Cherry“) para tentar mais uma vez a sua sorte.

Porém, com um enredo e guião derivativos, atores enfiados em papéis estereotipados, e sequências de ação mais cansativas e repetitivas que espetaculares, “The Gray Man” prova essencialmente uma coisa: os irmãos Russo são os cineastas mais overrated desta nova Hollywood dos conteúdos, com muita capacidade de mimicar o trabalho de outros cineastas e seguir os ditames algorítmicos/clichês do género, mas sem demonstrar um único (que seja) pensamento original sobre cinema.

E esta dupla não falha apenas no desenvolvimento de cenas de acção, uma mera cópia de aqui e de ali, seja nos tiroteios, seja nas lutas corpo a corpo, sempre enfeitada com transições de câmara na órbita da confusão. É uma busca incessante do frenético a qualquer custo, temperada com tentativas de fazer humor, derivações que pretendem oferecer ligeireza ao que devia ser duro de assistir, mas que se revela invariavelmente aborrecido. E quando olhamos para a montagem, trabalhada em Mach 10 para proporcionar uma sensação (falsa) de ação trepidante, porque a moda “John Wick” assim o impõe, não há como não reparar na sua banalidade, uma lógica apenas rasgada por um regresso ao passado e ao contexto da relação paternalista de Six com uma adolescente (a la “Leon o Profissional”).

E continuando em influências, à semelhança de “Esquadrão Suicida” (entre outros 500), Six é um criminoso que decide aceitar a oferta de liberdade a troco de serviços prestados para uma agência secreta, saltando de missão em missão para capturar ou assassinar vilões. Quando se vê confrontado com a obrigação de apanhar um agente da própria agência, começa a perceber que poderá estar a trabalhar para verdadeiros vilões, partindo assim em busca da verdade enquanto é perseguido pelos próprios colegas. Não muito diferente do que já vimos (recentemente) na saga “Bourne”, em “Viúva Negra” ou “Lucy“, “The Gray Man” é um verdadeiro Frankenstein de influências (quase plágios), um set popularucho de tópicos-chave pensado para massas num formato de sketches/segmentos, normalmente ligados a uma localidade, que é explícita no ecrã em letras garrafais. Essa constante mudança de lugar nunca resulta em grandes efeitos práticos, e mas não faz que massacrar a paciência do espectador: mesmo que nas letras surja o nome de uma cidade ou país, o que aí vemos não passa de uma rua genérica, uma cave obscura ou um matagal sem qualquer particularidade capaz de acrescentar mais valias. É puro show off, um faz de conta que, não diferente de qualquer influencer que coloque nos seus créditos a visita a 101 países, sem apresentar uma única ideia do que tirou deles.

E com tudo isto, minando pelo caminho o trabalho de três atores com créditos firmados através de personagens em modo déjà vu, os Russo vêm provar que a maioria dos cinéfilos não tem razões de maior para se preocupar com a substituição de realizadores humanos por uma qualquer inteligência artificial aleatória. É que nada que eles apresentam por aqui vai além do pechisbeque, mesmo que a fatura pese como ouro.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
José Raposo
the-gray-man-anthony-joseph-russo-e-a-falta-de-arte-na-imitacaoOs irmãos Russo mostram que a maioria dos cinéfilos não tem de se preocupar com a substituição de realizadores humanos por qualquer inteligência artificial aleatória