É entre o factual, a superstição e o delírio que o cinema de Robert Eggers tem chegado ao grande ecrã (“A Bruxa”;”O Farol”), sempre com um aprimorado rigor estético e um espírito de representação alicerçado numa capacidade de, ao descrever detalhadamente uma época e as suas gentes, reproduzir a mentalidade.

E nessa busca de autenticidade – onde não falta um enorme trabalho de pesquisa, transcrito para todos os elementos, do guião à mise-en-scène – que o primitivismo que Eggers requisita, onde masculino e feminino se encontram delineados nas missões e desígnios, vai além da mera ilustração. Na verdade e como sempre, o cineasta opta por envolver o espectador num ambiente de permanente estranheza que indicia que, a qualquer momento, algo terrível ou surpreendente pode rasgar o ecrã, ao invés de se apoiar no território dos sustos instantâneos ou excessos gráficos, tão habituais na indústria.

Em “The Northman”, um objeto de maior alcance comercial, Eggers não se afasta dos “buracos negros” indecifráveis que o seu cinema já nos habituou, mantendo a sua rota de conquista de espaço no cinema norte-americano através de uma história conhecida e que inspirou Shakespeare a escrever o seu “Hamlet” (que por sua vez serviu de base para milhares de outras obras).

É entre a Islândia e o território do norte da Europa, incluindo a Rússia atual, que a trama leva-nos ao príncipe Amleth, filho do Rei Horvendill, que jura vingança contra o assassino do pai e raptor da mãe: o seu próprio tio, Fjölnir. Ele mesmo o diz, ao fugir do lugar do massacre como qualquer criança assustada: “Vingar o pai. Salvar a mãe. Matar o tio”. 

Será vários anos depois desses eventos que vemos Amleth num estado de transe que se torna marca pessoal das suas confrontações, juntamente com um grupo viking numa rota de assassinatos, pilhagens, violações e conquista de terrenos eslavos, sempre com uma brutalidade que une o carnal e o transcendental no terreno de batalha. E por falar no além terreno, uma figura mística (Bjork) convenientemente encriptada aparece por aqui e lembra Amleth do juramento que fez no passado. É então que este decide passar por escravo para se aproximar de Fjölnir, travando conhecimento nessa rota com Olga (Anya Taylor-Joy de “A Bruxa”), que o vai acompanhar na sua demanda.

O que se segue é um alicerçar de artimanhas para atingir o objetivo, com Eggers invariavelmente a deixar muito ténue a fronteira entre o humano e sobrenatural, o real e místico, num trajeto onde se amontoam cadáveres e onde novas descobertas esbarram contra a conceção que o protagonista tem do passado e do pai.

Se Nicole Kidman dá-nos uma performance próxima da aura  shakespeariana, e Anya Taylor-Joy e Bjork trazem uma outra dimensão no feminino além da de objetos designados para a procriação e seguidismo (Anya prossegue um papel semelhante a “A Bruxa”), é em Alexander Skarsgård que reside toda uma ambígua rudeza que arrasta o espectador pela lama, sangue, suor e lágrimas que Eggers não se cama de evocar. É que se o seu corpo e músculos transpiram força e vitalidade, o sangue que se cola a ele, os olhos mortificados e voz impassiva levam-nos para o terror em bruto de uma máquina de morte. Isso mesmo vê-se na invasão a terrenos eslavos, onde o jogo de planos e travellings que Eggers impõem que arrastam o espectador a encostar-se à brutalidade da época. Um deleite para os olhos, mas é impossível não sermos levados para o igualmente brutal início de “The Revenant” de Alejandro González Iñárritu.

Ajudado por Sjón na escrita e por Jarin Blaschke na direção de fotografia, Eggers conquista principalmente o espectador pelas suas capacidades técnicas e investigação exaustiva, que em conjunto produzem um objeto visual espampanante. Mas no meio disso, é sempre difícil sentir uma verdadeira conexão emocional com as personagens, enquanto a própria reflexão social e histórica, que acompanhava os seus filmes anteriores, é notoriamente sacrificada em função do espetáculo.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
o-homem-do-norte-eu-sou-a-vinganca Rigoroso e vigoroso esteticamente e documentalmente, "O Homem do Norte" falha na criação de uma verdadeira conexão emocional