Enquanto no mundo ocidental as mulheres podem se dar ao luxo de consumir aos magotes fantasias de submissão (As 50 Sombras de Grey), não muito longe das suas fronteiras este “sonho” é realidade. A história passa-se numa remota aldeia turca, onde cinco irmãs em diferentes estágios da adolescência são apanhadas por uma vizinha a cometer um crime terrível: brincar com um bando de rapazes na saída da escola. As punições não se fazem esperar e passam, principalmente, por casamentos apressados em geral não consentidos.

Mustang tem um conteúdo proselitista na extrema clareza da sua mensagem sobre o machismo do Islão, cuja exposição tem o vigor do preto-no-branco do argumento (da realizadora do filme, Deniz Gamze Ergüven, e de Alice Winocour, realizadora de Augustine): de um lado estão os bons, as meninas oprimidas, de outro os maus – os homens, obviamente, mas também as mulheres mais velhas, o seu verdadeiro pelotão de frente.

A energia é contagiante e Ergüven retrata com muita câmara na mão a intensidade nervosa própria da idade das suas estrelas, assim com os seus irrefreáveis (daí o título) impulsos de liberdade – simbolizadas na forma como filma-lhes os corpos e os seus longos cabelos. O recurso também serve para registar o seu progressivo estado de sítio – quando são encurraladas física e espiritualmente.

A abordagem, feita com capital francês por uma emigrada, é bastante diferente daquela com “pezinhos de lã” de Haifaa al-Mansour em O Sonho de Wadjda, onde retratava com delicadeza a sufocante sociedade da Arábia Saudita. Aqui, apesar do fundamentalismo da família atingir uma dimensão quase surreal, estas meninas têm computadores, dizem palavrões e as mais velhas não são assim tão inocentes no que se refere a sexo.

No mais as mulheres, como se sabe, foram sempre as grandes vítimas da insanidade moral das religiões monoteístas. A cineasta sugere as implicações do velho confronto do puritanismo fundamentalista e o seu singular paradoxo de ver sexo e pecado em tudo – como no momento em que uma das meninas atira uma cadeira no chão e diz que “elas devem ser imundas porque os nossos cús estiveram sobre elas“.

De resto, a história alterna com graça momentos de tristeza, aventura, terror e comicidade, como na cena onde os homens são proibidos de entrar num jogo do Galatasaray por mau comportamento no confronto anterior, ficando o estádio cheio de alegres e barulhentas adeptas. Esta urgência da denúncia, no entanto, comete um erro de percurso ao adicionar ao único personagem masculino relevante um caráter desnecessário de monstruosidade (as suas “escapadelas” noturnas). Esta opção acaba por afetar o filme ao transformar o registo de um tipo de opressão generalizada, o seu mote, num caso de aberração particular.  

Pontuação Geral
Roni Nunes
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