Há qualquer coisa de comparativo na forma como Alice e o Presidente se debruça nos bastidores da política, assim como a obra do italiano Roberto Andò, Viva a Liberdade (2013) reconcilia o político com o seu eleitorado. 
 
Tudo se resume aquele endereço do corpo estranho e a absorção obtida para este incorporado mundo em prol de uma desmistificação. Obviamente, que o efeito Magritte (“Ceci n’est pas une pipe”) neste solo é servido de material para enésimas comédias, quer do foro romântico ou até satírico, mas nestes dois exemplares somos indiciados a uma condução e compreensão da política que nos rodeia. Não ao termo que parece envolver nas vidas, atos e rotinas quotidianas e automatizadas, mas sim aquele que abraçamos para vislumbrar o nosso futuro.
Com Andò, o selo foi o do populismo, não propriamente das ideias nefastas que hoje são transmitidos nos mais variados discursos políticos, mas a natureza discursiva em prol da aproximação do eleitorado. No jogo de Viva A Liberdade, era um impostor posicionado num cargo político sem ventos nem cata-ventos ideológicos, apenas vincando-se na força persuasiva dos seus discursos.
Já no mais recente filme de Nicolas Pariser, Alice e o Presidente, é o pensamento como estado de arte que fomenta a Política (colocamos em P maiúsculo para acentuar a pluralidade discursiva e ideológica aqui). Por sua vez, a partida joga-se com uma jovem licenciada em filosofia que é contratada para reativar a mente do “Maire” de Lyon, e possível candidato presidencial do partido socialista francês, que sofre com uma estranha crise existencial (um Fabrice Luchini que não víamos desde Dentro de Casa, de François Ozon).
 
Ora bem, antes de tudo, Pariser desvia o seu objeto de estudo dos campos minados que uma Hollywood, por exemplo, poderia armadilhar, entre elas o romance, o moralismo e até mesmo a doutrinação à “moda do povo”. Alice e o Presidente premeia-se como um filme de assalto, não no sentido da ação do chamado heist movie, mas sim pelo objetivo que é definido e os diferentes peões posicionam-se para o alcançar. Pelo meio, são diversos os discursos que utilizam a política como introspeção, e não o cabaz ideológico. E antes que o leitor levante a mão para expressar a sua perspetiva politizada perante a frase anterior, a resposta é não. Não somos ingénuos ao ponto para acreditar em imparcialidades, porém, Nicolas Pariser contém-se quanto aos rumos de Este a Oeste. O processo aqui é a desconstrução do pensamento político e como se gera a IDEIA, o “produto” pelo qual os protagonistas deste órgão terão que vender.
 
Se a política é um jogo calculista, isso, já o leitor sabia, se não, é a cedência ao discurso populista do filme de Andò que emocionalmente se identificará (um é o cérebro, o outro o coração). Contudo, em Alice e o Presidente é fácil de encontrar a grande crítica a ser desferida neste mundo de projeções futuras e de empatias insufladas – a intelectualidade. Não é por menos que a protagonista, Alice (Anaïs Demoustier), é uma “filosofa”, uma exercitadora de pensamento que se infiltra no covil daqueles que assumem estes por garantidos, nunca desfazendo o retrato destes “políticos” através de uma atitude de superioridade inteletual: “nunca pedimos a Louis XIV para ser um Molière“.
 
Por outro lado, é possível que Pariser ridicularize mais o sector intelectualizado em prol de um crítica acentuada e sóbria aos políticos com que apresenta, e isso é evidente na forma como expõe as personagens fora do backstage político como trágicas figuras gregas, entre os quais a artistas como uma Cassandra, assombrada pelo apocalipse, o fim como solução fácil após a constante exposição à cultura do medo (culpa maioritária dos nossos representantes e candidatos a tais), completamente alheia aos territórios do real e do fantástico. Peões que alienam um mundo servente das ideias de poucos, o pensamento que define lados, posições, e toda uma estratégia em busca do Poder.
 
Nicolas Pariser concretiza um filme discreto, por vezes silencioso, mas que recolhe-nos com a exatidão dos nossos tempos. Garantimos que neste filme não há sobranceiros de superioridade.