A grande maioria das agendas vistas no passado como radicais (ecologia, direitos dos animais, identidade sexual, feminismo, etc) foram, ao longo dos tempos, ganhando adeptos e entrando a conta-gotas na sociedade e programas dos partidos políticos tradicionais, perdendo o seu cariz transgressivo e passando a fazer parte de mensagens quotidianas ponderadas, prontas para atrair mundos diferentes (o progressista e conservador) numa mensagem só.

Esse fenómeno encaixa nos movimentos outrora subversivos da cultura, como o Punk o foi nos anos 70, quando surgiu como reação à não violência dos hippies e à opressão ocorrida pelo elitismo cultural e moralidade tradicional, assente no conceito da “normalidade”. Mas tal como muitas agendas subversivas, o Punk foi sendo moldado a novas formas polarizadoras à medida que os anos passaram, tornando-se ele mesmo uma moda e negócio, cujo o alvo primordial eram as “ovelhas negras” da sociedade,  ganhando assim formas estandardizadas e tradicionais, que nem o pop para massas.

Esta pequena introdução serve como prólogo para “Cruella”, filme que tem em si todos os elementos da cultura punk, mas que embutidos numa máquina industrial chamada Disney ganham contornos globalizantes, onde o subversivo e o convencional fundem-se para vender-se. “Cruella”, filme que explica as origens de Cruella de Vil (Emma Stone), a vilã de “Os 101 Dálmatas“, é totalmente  isso: algo que se vende como Punk, mas que é verdadeiramente punk pop, regido a regras do mercado capitalista.

Emma Stone

Dentro do Universo Disney, “Cruella” tem como parente próximo “Maléfica”, mas em vez de reinos com príncipes,  princesas e reinos em luta, a sua sede é uma Londres mais próxima de Gotham City que outra coisa, com a personagem principal a agir como uma espécie de Harley Quinn infantilizada, sem palavrões e violência, enquanto atrai os mais adultos com elementos punk para que estes acompanhem a jornada onde a nostalgia nunca os larga.

O filme começa com todos os elementos de um conto de Charles Dickens, com a pequena rebelde que dá título ao filme a ficar órfã, a juntar-se a dois miúdos e a crescer com eles através de pequenos crimes. Pelo caminho, o seu sentido fashion punk, do faça-você-mesmo com “style“, esbarra nas convenções da sociedade, o que desperta a atenção da grande estilista da época, a Baronesa (Emma Thompson), que vai contratar Cruella e aproveitar-se das suas criações, prosseguindo como elemento dominante e sem rivais no mercado.

Claro está que por trás dessa junção entre Cruella e a Baronesa, existem agendas muito próprias, que vão colidir não apenas por razões de visão artística ou culturais, mas principalmente movidas a questões pessoais, ligadas ao passado de trauma de Cruella, onde os célebres dálmatas tiveram uma ação preponderante.

Emma Thompson

Movido a duas Emmas (a Stone e a Thompson), este filme tem em si o carisma e o charme inerente às duas atrizes que o protagonizam, entrando nas suas personagens com vigor e estilo muito peculiares, mas que sempre agarradas aos limites do formato disnesco em que se inserem. Ambas entregam prestações ricas e estilizadas, colocando dois mundos em confronto, mas sempre carburados por motivações extremamente familiares no universo Disney, que não só se venderam anteriormente em “Maléfica” como em “Cinderela”, mas também em outros produtos da gigante, onde até “Star Wars” agora também se inclui.

Na essência, dramas familiares, injustiças e atos de domínio e poder, através da canalhice, alimentam todo o o arco narrativo da história, onde são os elementos em pano de fundo (o guarda-roupa, a música, a direção artística) que nos atraem principalmente na vibe Vivienne Westwood, deixando o enredo derivativo e a atmosfera de rebeldia para segundo plano.

O resultado final é assim um produto subversivo à lá Disney, o que trocado em miúdos significa um produto que na sua busca por agradar às massas acaba por mostrar a sua forma convencional de objeto de uma linha de montagem, o que em tempos pós “Joker” e “Harley Quinn: Birds of Prey” apenas funciona como o mesmo, mas muito mais contido e num registo de filme para toda a família.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
cruella-a-subversao-como-moda-em-conto-movido-a-duas-emmasEm tempos pós “Joker” e “Harley Quinn”, "Cruella" funciona como uma versão light para toda a família