Realizado por Bong Joon-ho e laureado com a Palma de Ouro na última edição do Festival de Cannes, Parasitas coloca em cena uma questão que tem tanto de contemporâneo como intemporal, e que até pode ser colocada em tom inquisitivo: quem é que é preciso espezinhar para se poder provar os luxos requintados de uma vida abastada? 

Fazendo um retrato a traços largos das grandes contradições do mundo de hoje, o cinema do realizador sul-coreano tem perspetivado um conjunto de temas que têm na mira questões como a distribuição de rendimentos ou a ganância corporativa. Tudo sempre no sítio certo, com a surpresa redentora de se lançar ao osso da boa consciência política a partir de uma abordagem que transcende a mais pura lógica do cinema de género.

Parasitas é o seu melhor filme, continuando um percurso já calcorreado nos anteriores Snowpiercer – O Expresso do Amanhã e Okja, mas com uma relação mais distante relativamente a um certo imaginário fantástico, ao mesmo tempo que se aproxima porventura de uma realidade mais imediata e crua. Olhamos pela janela do cinema de Bong Joon-ho e agora que ficam para trás os comboios perpétuos perdidos na neve e as “super-porcas” engordadas para bem do capital, com que ficamos?

Dir-se-ia que descemos ao rés do chão da imaginação, para encontrar um filme atento às possibilidades dramatúrgicas de um confronto entre ricos e pobres, entre aqueles que têm o monopólio do privilégio e uma família de empecilhos desterrados. E mesmo quando recuamos até The Host- A Criatura não podemos deixar de dar de caras com essa revolução figurativa que é a transformação dos tentáculos aterrorizantes de uma criatura abjecta, numa rede invisível que tudo cerca e amarra numa teia digital – é potentíssima a sequência de abertura deste Parasita, aquela em que as “manobras de acesso” a uma rede wi-fi funcionam como linhas de leitura da linguagem do capitalismo financeiro.

No centro do filme está uma luta muito antiga, a luta de classes: uma família muito pobre tenta a todo o custo aceder aos modos de vida de uma família muito rica, e um dos aspectos mais conseguidos do filme passa justamente pelo plano delineado para alcançar esse objectivo. Partindo da mobilização de um conjunto de poses, artifícios e dispositivos retóricos oriundos das classes mais abastadas, os “parasitas” procuram ocupar assim um lugar que lhes tem sido negado.

E o que de melhor o filme de Bong Joon-ho tem é esfregar-nos na cara, com a leveza de um entretenimento confortável e recheado de comodidades narrativas, que afinal de contas parasitas somos todos nós.

Pontuação Geral
José Raposo
Jorge Pereira
Fernando Vasquez
André Gonçalves
Hugo Gomes
parasite-parasitas-por-jose-raposoUm filme que tem tanto de contemporaneo como de intemporal.