A par de Snu, outra produção nacional estreada este ano sobre uma figura de vulto da sociedade portuguesa, Variações é um filme em larga medida dependente da atuação central. Porém, enquanto a interpretação de Inês Castel-Branco era contida, disciplinada e minuciosa, a transfiguração de Sérgio Praia nesta biografia é violenta e exuberante. Embora com métodos e personagens extremamente diferentes, o resultado do trabalho destes atores é semelhante: constroem um retrato congruente, apresentam um perfil vivo e credível, encarnam uma identidade em volta da qual toda uma obra se edifica. Sem a performance de Praia neste Variações (o ator interpretara-o antes em palco), estaríamos perante um filme sem grande relevância.

Essencialmente, tal deve-se às debilidades do guião e da realização deste projeto. A linha narrativa em que o filme se estrutura segue os eventos da vida de António Ribeiro, um rapaz de uma aldeia do Minho cujos dotes musicais, entre viagens pelos polos cosmopolitas mundiais e os muitos cabeleireiros em que trabalhou como barbeiro, vão sendo descobertos até serem reconhecidos a nível nacional. A tentativa de incluir vários períodos e fases da vida de António – o prólogo é sobre a sua infância e uma porção inicial do filme salta para os anos de celebridade, antes de voltar ao passado para descobrir a evolução da sua carreira – peca por simplificar e encurtar esta história de vida. Uma estratégia mais circunscrita a uma época específica teria possibilitado uma compreensão mais profunda da psique deste homem; contudo, o guião parece fugir dos momentos mais intensos, ou pelo menos não lhes dá a devida importância, o que empobrece a personagem e a sua ligação ao público.

A realização de João Maia tenta compensar esta dispersão através, por exemplo, de breves visões dos sonhos e fantasias de António (maioritariamente relacionadas com a sua musa, Amália Rodrigues), mas o grau de densidade desta pseudo-psicanálise é fraco, e a estilização da montagem e da fotografia nestes momentos tem algo de pueril. Principalmente, contudo, o que falta é uma estilização mais arriscada, um trabalho da forma mais ousado e atrevido que se aproxime da mesma originalidade e autenticidade que fizeram da música de Variações um êxito.

Onde o filme se esmera é no guarda-roupa e na direção de arte, que compõem uma cenografia colorida, caleidoscópica, vibrante, em harmonia com o espírito do protagonista, com o seu estilo e temperamento. Os trajes arrojados em que Sérgio Praia surge, as suas feições maquilhadas e as salas em que se movimenta acompanham a sua energia, a sua paixão e raiva, e tornam-nas tão mais palpáveis e cativantes. É este sentido que devia estar mais presente nos vários aspetos do filme, de modo a desprender-se mais da linguagem visual comum em que por vezes cai.

Posto isto, a realização também tem os seus momentos de glória (as duas cenas finais vêm à memória), quando fotografia, montagem e performance se fundem num todo melodioso. De destacar é ainda a voz de Praia, cujo canto faz jus ao instrumento de Variações. E, contas feitas, Variações consegue condensar, se não o homem e a sua vida interior, pelo menos o músico e a luta pela sua arte.

Pontuação Geral
Guilherme F. Alcobia
Hugo Gomes
variacoes-guilherme-alcobiaUma personalidade invulgar e subversiva como a de António Variações pedia um filme igualmente extravagante. Mas onde a interpretação de Sérgio Praia é excecional, a realização de João Maia é demasiado mansa.