Três anos depois de apresentarem em Berlim “Ballad of a White Cow”, sobre uma mulher que é informada que o seu marido, Babak, recém-executado pelo governo, morreu injustamente, a dupla de cineastas iranianos Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha “regressou” ao festival, desta vez com um drama cujo foco é uma septuagenária, mas que serve de reflexão para a condição da mulher no país, da infância à 3ª idade.

E dissemos que a dupla “regressou” porque, na verdade, ela foi impedida de abandonar o Irão para apresentar  o seu “My Favorite Cake“ no certame, ficando essa tarefa entregue a Lili Farhadpour e Esmail Mehrabi, protagonistas desta relíquia tão comovente como reivindicativa, a tarefa de darem voz aos cineasta na apresentação do filme ao mundo.

No centro da ação está Mahim, uma mulher na casa dos setenta anos que, desde que o marido morreu e a filha emigrou, vive na mais profunda solidão. Entregue simplesmente aos momentos passados no seu belo e recatado jardim e a almoços esporádicos com as suas amigas reformadas, ela passeia pela cidade em busca de alguma chama de amizade que aqueça o vazio da sua intrínseca solitude. É num restaurante frequentado por reformados que ela descobre Faramarz (Esmail Mehrabi), um taxista com quem mais tarde mete conversa, no meio de um pedido de viagem. 

A repressão moral instituída pelo regime político iraniano, e a religião indissociável a ele, sente-se em todo o percurso de Mahim pelas ruas. Num jardim, logo após de falar com a filha ao telefone, tenta ajudar um grupo de jovens que estavam a ser detidas por não terem o Hijab a cobrir a cabeça, quanto em casa, a sua vizinha metediça, cujo marido trabalha para o governo, bate-lhe à porta para tentar perceber se ela está acompanhada por um homem.

Com 72 anos, Mahim viveu a juventude ainda fora dos ditames morais impostos após a revolução islâmica de 1979, tentando – numa única noite – fazer um regresso a esses tempos de liberdade, “respirar” de alívio, e sem ter que pensar que a polícia da moral irrompa por ali adentro para tentar controlar e restringir os seus passos. 

É que depois de manter conversa com o taxista Faramarz, divorciado e com passado militar, Mahim convida-o a continuar a noite na sua casa, entregando-se a pequenos prazeres da vida proibidos, como beber vinho ou conversar e dançar com um homem, num Irão agora irreconhecível.

Cruzando “todas as linhas vermelhas e restrições”, e aceitando as consequências da sua escolha “de pintar uma imagem real das mulheres iranianas”, Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha entregam ao espectador uma verdadeira tragicomédia que frequentemente nos leva entre a profunda meditação e os risos, não fosse o filme minado de absurdos e entretantos da vida (e da morte) que universalmente nos perseguem. Porém, e sendo um filme de fortes raízes e eventos que dependem do regime social, politico e religioso em que se inserem, este não deixa de ser mais um grito de revolta contra o poder estabelecido, e contra a condição particular da mulher num país que as trata como propriedades a regrar e controlar.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
my-favorite-cake-os-absurdos-e-entretantos-da-vida-e-da-morteMaryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha entregam ao espectador uma verdadeira tragicomédia que frequentemente nos leva entre a profunda meditação e os risos, não fosse o filme minado de absurdos da vida (e da morte) que universalmente nos perseguem