Fragmentos incendiários da explosão do “punk” britânico atravessaram mares e continentes e, com relativo “delay”, foram chegando a lugares fora do circuito – como Portugal ou o Brasil, cujas chamas ainda levaram alguns anos para inflamarem-se. Na Austrália chegou ainda no final dos anos 70 – mas particularmente UMA banda garantiu o carregamento da tocha. Claro que lá meio estava alguém destinado à uma surpreendente longevidade e aceitação – um tal de Nick Cave.

Para os Birthday Party a arte era, literalmente, dar o corpo ao manifesto: vida e obra se confundiam numa banda que existia dramaticamente ao vivo num espaço de Melbourne para futuramente operarem algumas excursões mundiais de intenso frenesi. Com o tempo, tornaram-se ameaçadores: a música furiosa, a esquizofrenia e a transgressão começaram a misturar público e banda – numa proximidade física assustadora.

Mas Londres era a metrópole e o que eles encontraram por lá, enquanto passaram fome durante um ano com muitos poucos concertos, era uma grande pasmaceira. Se o “punk” foi a grande explosão, o que lhes aguardava não eram nada mais que cinzas. Num momento quase hilário, o guitarrista Rowland S. Howard debocha de um cartaz de um evento no qual participavam – onde, aludindo a verve esmaecida de bandas como Echo & The Bunnymen, Teardrop Explodes e Psychedelic Furs (com uma ligeira ressalva para este último), elogiava o facto de ser uma sorte eles serem da Austrália. O único amigo que fariam na Inglaterra ao longo dos anos seria outro “outsider” – Mark E. Smith, dos Fall.

Entre animações, reveladoras entrevistas de arquivos e vastos momentos onde deixa a música e as performances falarem por si, o cineasta Ian White tenta captar o dinamismo inquieto da banda. Um dos momentos gloriosos é a gravação do incrível teledisco de “Nick the Stripper”: um terreno nos arredores de Melbourne, uma profusão de malucos (alguns emprestados a um manicómio!), fogos postos e um Nick Cave a tapar-se apenas com um pano “nas partes” – tudo feito ilegalmente, sem licenças e com enormes riscos.

É digno de admiração que no meio da loucura generalizada aquele sujeito magricela, com os seus poemas no limite do romantismo, estaria destinado a virar uma instituição – daquelas que até ganha prémios “honoris causa” de universidades. No fim, se Londres não servia, Berlim adequava-se mais: o revigorante universo experimental da capital alemã rendeu a colaboração de longa data de Blixa Bargeld, dos ruidosos Einstürzende Neubaten – que acompanharia os Bad Seeds com o multinstrumentista dos “Party”, Mick Harvey. Mas isso foi depois: na cidade germânica, cai o pano. A chama simplesmente apagou-se como se devorada por um relâmpago.

Pontuação Geral
Roni Nunes
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