O cinema, ora através de ficções baseadas em casos reais (“Erin Brockovich”; “Dark Waters”), ora via documentários (pense-se em Michael Moore e a contaminação das águas de Flint em “Fahrenheit 11/9”, só para dar um exemplo popular), tem servido de palco para reivindicações contra os erros industriais do passado e presente, e que demonstram como os problemas ambientais condicionam a saúde das populações. 

Ainda antes de assinar “20.000 especies de abejas“, a basca Estibaliz Urresola Solaguren trouxe até nós “Cuerdas”, uma curta impactante sobre um grupo coral que, depois de perder os apoios para alugar espaço para os ensaios, é convidada a ser patrocinada pela maior empresa poluidora da região. Este dilema moral, do gerar emprego e servir a economia a bem do “progresso”, versus o defender a população dos problemas ambientais que se refletem na (má) saúde dos seus habitantes, está escarrapachado neste “Toxicily”, um documentário de François-Xavier Destors, com o guião coescrito por Alfonso Pinto, que estreou no Festival dei Popoli de Florença (4 a 12 de novembro).

O impacto do meio ambiente na vida das populações não é de todo um território virgem para Destors, que no seu absolutamente extraordinário “Melting Souls“ nos levava à Rússia, mais propriamente à cidade, digna de um ensaio sci-fi, de Norilsk, onde a convivência da indústria pesada com as populações é um tema do dia a dia.

Na verdade, existem mesmo imagens desse documentário, como por exemplo aquelas em que os habitantes tomam banho nas águas marítimas com a paisagem industrial pesada como pano de fundo, que parecem copiadas e escarrapachadas a papel químico (melhor palavra para usar neste texto) neste “Toxicily”, filme que faz um jogo entre o tóxico e a região italiana da Sicília, onde se situa o seu objeto de análise: a cidade de Siracusa, local onde há 70 anos todos convivem com uma das maiores fábricas petroquímicas da Europa. 

Setenta anos depois da construção do primeiro naipe de refinarias, a terra, o mar e o ar escondem substanciais doses de veneno, impossíveis de quantificar. E é através de aterros a céu aberto, fumaça no ar e muitas conversas com a população que somos conduzidos, sempre com os nomes dos que padecem ou sucumbiram a cancro e outras doenças terminais, que somos levados aos momentos mais cáusticos e dramáticos deste filme, que é aqui mas poderia ser em milhares de outras localidades. 

Falar da influência das usinas petroquímicas nesta área é tratado como uma forma de afastar do cenário a pura coincidência no desenvolvimento de doenças, mas, o espírito dos tempos, sempre à procura do “crescimento económico”, gerou e gera pérolas da oralidade política, como uma das frases que deixa maior mossa durante todo este filme: “Mais vale morrer de cancro que de fome”.

Será mesmo assim, questiona a dupla de realizadores, pondo em xeque o tal “progresso”. E essa busca pelo crescimento económico nunca é tratado como algo ligado ao passado, mas principalmente ao presente e com os olhos no futuro. E nisto salta a vista o poder político, que se vai moldando e adaptando para prosseguir com os crimes ambientais, embora agora tenha equipas de comunicação preparadas para debitar cá para fora – a toda a velocidade – termos como economia verde e azul. Mas, no final, sobrevivem os mais fortes (geneticamente e fisicamente), pois a destruição ambiental prossegue, apenas com novos valores de dolo permitidos, para essencialmente acalmarem as novas sensibilidades.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
toxicily-o-veneno-que-ha-em-nosO impacto do meio ambiente na vida das populações não é de todo um território virgem para Destors, que no seu absolutamente extraordinário “Melting Souls“ nos levava à Norilsk, onde a convivência da indústria pesada com as populações é um tema do dia a dia.