Segunda-feira, 20 Maio

Dark Waters – Verdade Envenenada: Haynes e os venenos invisíveis do quotidiano

De um modo simples mas elegante, Haynes entrega um filme comercial sobre os venenos invisíveis da vida quotidiana

A toxicidade invisível em ambientes aparentemente imaculados e o “lar” como um espaço de aparente segurança e conforto, mas que na verdade oculta profundas maleitas, são temas que acompanham o cinema de Todd Haynes.

Olhe-se para o seu Safe, de 1995, onde Julianne Moore desenvolvia reações físicas a problemas ambientais, mas que igualmente escondiam um vazio emocional de uma mulher entregue a uma normatividade da sociedade patriarcal que a relega a uma vida de completa vacuidade. Aqui, neste Dark Waters – aquele que muitos consideram o seu filme mais anónimo – Haynes viaja mais uma vez à normatividade, mas agora aponta baterias ao regime capitalista e à ganância, usando para isso a história de uma família afetada pela morte de cabeças de gado na sua propriedade na Virgínia.

A peça central desta história que adapta um artigo do New York Times é o advogado Robert Bilott (Mark Ruffalo), ele mesmo embutido num sistema que propicia os desequilíbrios (a sua empresa de advogados defende as grandes corporações), mas que entra nesta eterna luta entre David e Golias a defender o primeiro, descobrindo no processo uma máquina de corrupção moral e social que oculta crimes corporativos das mais variadas escalas (da venda de uma panela, à contaminação dos recursos hídricos das cidades).

Essa toxicidade (aqui materializada numa substância denominada de C8) é desconstruída pelo cineasta na forma de um thriller de procedimentos legais esteticamente pálido, trespassando uma atmosfera de permanente envenenamento, não apenas ambiental, mas de um sistema que fala em pessoas como “eleitores”, “consumidores”, “força laboral” e “receptores”. Nisto, o realizador evoca as conspirações cooperativistas e as batalhas pela justiça já travadas por cineastas como Michael Mann (O Informador), Mike Nichols (Reacção em Cadeia) e Steven Soderbergh (Erin Brockovich), mas fá-lo com um novo tom, já que tudo por aqui assenta não como uma doença curável, mas como algo crónico de um sistema que privilegia uma elite e vai produzindo vítimas atrás de vítimas no seu caminho.

Tudo isto tem particular importância nos tempos que correm, até porque não foi há muito tempo que Barack Obama deu um espetáculo deprimente num caso de contaminação da água no Michigan (vejam Fahrenheit 11/9 de Michael Moore para entenderem), mas também porque neste preciso momento discutimos ou não a existência de um aquecimento global e crise climática. Ora, como vimos aqui, não é por um elemento não estar catalogado que não deixa de afectar a população. Por tal, o princípio a seguir terá sempre a ver com prevenção, mas isso não se coaduna com o sistema enfermo e desigual em que vivemos, pelo menos até que se perceba que salvar – ou pelo menos não contaminar – o ambiente pode originar mais lucro.


Jorge Pereira

 

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