Vencedor do Oscar de melhor documentário em 1962 pelo seu “Le ciel et la boue”, Pierre Dominique Gaisseau propos-se em 1975 em viajar para o Panamá e fazer um filme sobre o povo indígena Kuna, originário do arquipélago de San Blas (arquipélago das Mulatas), na costa panamense do Caribe.

Ele, a esposa (Kyoko) e a filha de dois anos (Akiko) viveram juntamente com o povo e filmaram a sua cultura e estrutura social, prometendo que, no final das filmagens, o documentário em construção seria depois entregue a eles. Quis o destino e os desígnios capitalistas que a produtora do filme falisse, que o filme fosse entregue à gestão de um banco, que depois entregou a película ao Ministério da Cultura, o qual deixou as bobinas deterioradas ao abandono,

O resultado disto tudo é que o filme, “God Is a Woman” (referência à suposta sociedade matriarcal dos Kunas), nunca chegou a ser visto pelo povo, partindo agora o cineasta suíço-panamês Andres Peyot para junto do povo Kuna, o qual ainda sonha em ver o tal filme que tantas memórias traz.

God is a Woman” tinha tudo para se transformar no “Mouramani“ que o guineense Thierno Souleymane Diallo procurou – em vão – no seu “Cemetery of Cinema”, estreado este ano na Berlinale, mas estes são filmes que, apesar da sua aproximação temática, têm um corpo e alma diferentes, principalmente pelo poder da memória coletiva que o filme de 1975 desperta junto dos mais velhos, que recordam as suas infâncias e adolescências. 

Criticando a própria forma, obrigatoriamente exótica e afastada de qualquer ocidentalização, que Gaisseau pretendia no seu filme, além da fraqueza das instituições para preservarem a sua história, a não ser que um retorno económico esteja envolvido (veja-se o desabafo de como as comunidades indígenas da América se tornaram focos para o Turismo), Andres Peyot faz igualmente um ponto da situação contemporânea dos Kunas, já invadidos pelas novas tecnologias (telemóveis, câmaras de filmar, o rap), mas mantendo as tradições e celebrações próprias como forma identitária na pós libertação colonial.

E quando uma cópia do filme de Gaisseau é finalmente encontrada, algures num sótão em Paris, e se procede ao seu restauro, a esperança dos Kunas é reanimada através da programação de uma sessão onde finalmente se vai ver o filme e, nisso, muitos familiares e memórias de outros tempos.

Por todas estas razões, e por – principalmente – não cair nos erros que Gaisseau cometeu na construção do seu “God is a Woman” para ocidental ver, este renovado “God is a Woman” de Peyot traz autenticidade, celebrando no processo um povo que se mantém unido na sua identificação cultural.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
god-is-a-woman-a-procura-das-memorias“God is a Woman” de Peyot traz autenticidade, celebrando no processo um povo que se mantém unido na sua identificação cultural.