É um filme real ou apenas um mito dos tempos coloniais? É esta a questão que o jovem realizador guineense Thierno Souleymane Diallo coloca no seu entusiasmante, e derradeiramente desarmante, “Cemetery of Cinema”, exibido na última Berlinale.

Numa busca incessante por um filme desaparecido, “Mouramani”,  alegadamente assinado por Mamadou Touré em 1953, Thierno Souleymane faz um atualíssimo retrato político e histórico da sua nação, centrando a sua atenção na ausência da cultura do preservar arquivos e valorizar o cinema, mas acabando por, no limite, questionar a existência do próprio cinema como a experiência coletiva que conhecemos – especialmente quando deixa o seu país e parte para França, a antiga colónia, com a promessa que por lá certamente existe uma cópia daquele que  diz ser o primeiro filme africano. E sim, neste processo de busca pelo tal de “Mouramani”, Thierno desafia a ideia de que “Afrique sur Seine“, de Paulin Soumanou Vieyra, Jacques Mélo Kane e Mamadou Sarr, de 1955, foi o primeiro filme da África subsaariana. 

A verdade é que todos – ou quase todos – os que surgem em cena já ouviram falar de “Mouramani” [há relatos que filmado em Paris, no Bois de Vincennes], mas nunca o viram. E há ainda diferentes comentários sobre o seu enredo, pondo cada vez mais em xeque realidade e mito em torno de uma curta-metragem de apenas 23 minutos. Seguindo dicas e informações algumas vezes contraditórias, o realizador – sempre de pé descalço, porque se o seu governo não tem dinheiro para apoiar o cinema, ele não tem verbas para comprar sapatos – encontra detalhes sobre a obra em francês, as quais dizem que “Mouramani” fala sobre a islamização do povo Mandinka. Porém, uma versão em inglês da sinopse do filme contradiz essa ideia e resume o filme à relação entre um cão e o seu dono. Qual a verdade e qual o fardo que se carrega por não preservar em película a memória de uma nação no seu pós-independência?

As nossas histórias estão nesses filmes e a nossa memória também”, diz o cineasta, criticando assim o passado, mas também o presente, onde pouco ou quase nada tem sido feito para melhorar a situação.

Com uma pequena equipa, recursos didáticos de cinema e uma mão cheia de testemunhos, Diallo vasculha antigos cinemas locais, onde o pó se apoderou de tudo, tentando nisto caçar memórias da era colonial e da cultura de um povo. E no final, quando o cineasta sucumbe perante as evidências, ele mesmo faz o seu “Mouramani“, não como exercício pretensioso, mas crítico de reconstrução de um mito bem real. A não perder.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
cemetery-of-cinema-a-procura-de-mouramaniNuma busca incessante por um filme desaparecido, Thierno Souleymane faz um atualíssimo retrato político e histórico da sua nação, mas também do papel do cinema e dos arquivos como memória indispensável de um povo