Continuo a tentar fazer cada projeto da mesma maneira e métodos de produção do passado”, disse-nos o realizador Todd Haynes no último Festival de Locarno, não fazendo a mínima ideia que o seu mais recente filme, “May December”, iria ser adquirido pela Netflix para distribuição nos EUA. Só esse indicador de mercado serve um pouco como adjetivo para descrever que o filme protagonizado por Natalie Portman e Julianne Moore, estreado no Festival de Cannes, é mais convencional que seria de esperar, longe de material mais arrojado do cineasta, como “Safe/Seguro” ou “Velvet Goldmine”, mas mais próximo do melodrama clássico à Douglas Sirk, como  foram “Carol” e “Far From Heaven”, embora aqui com um valente piscar de olhos ao romance proíbido de “The Go-Between/O Mensageiro”, de Joseph Losey, do qual se recria aqui a banda-sonora.

Não há nada de errado em ser mais clássico, convenha-se, especialmente quando já se tem décadas e décadas de trabalho na 7ª arte “no lombo”, mas “May December” parece tão construído e orientado para Natalie Portman brilhar (ou até concorrer ao Oscar), que tudo o resto passa para segundo plano, incluindo o casal Gracie Atherton-Yu (Julianne Moore) e Joe Yoo (Charles Melton), que se conheceram há vinte anos, num caso que se tornou um escândalo. A verdade é que Joe tinha 13 anos quando a mulher de então 36 anos iniciou uma relação com ele, sendo detida e tornando-se uma celebridade contra a sua vontade, fruto da exposição nos tablóides. É a partir desse caso, um tabu e um crime, normalizado pelo casamento deles, que Elizabeth Berry (Portman), uma atriz, decide passar um tempo com o casal para entender melhor a relação, tendo na mira interpretar o papel de Gracie num filme que vai abordar o escândalo.

Fascina, de alguma forma, a forma como Haynes navega com paciência observacional um tema potencialmente volátil, não apenas analisando – e deixando uma bicada – a como o cinema explora e dá foco aos fait divers,  mas igualmente o método do ator, já que no seu processo, Portman começa a remexer na poeira do passado, levantando “grãos de areia” que começam a emperrar a engrenagem e dinâmica do casal. 

É pois em Portman e na atriz que incorpora que reside o core do filme, com particular incidência na forma de Joe reler a sua própria história pessoal, na qual saltou praticamente do início da adolescência para a idade adulta, perdendo quase toda a adolescência no processo escandaloso. Isso mesmo vê-se (e sente-se) numa das melhores cenas do filme, quando juntamente com o filho, num telhado da sua casa burguesa, fuma pela primeira vez um charro, ou quando se aborda o número de relacionamentos amorosos ou sexuais que teve na sua vida.

A dimensão naturalista do casal, em confronto com o lado meta fílmico imposto pela personagem de Natalie Portman, num ato de absorver e mimicar Julianne Moore, ajuda a que Todd Haynes consiga fazer um filme que em nada envergonha a sua carreira, mas que igualmente não acrescenta grande profundidade ou vigor.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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