Por esta altura do campeonato, falar da qualidade estética dos filmes de Wes Anderson é pura redundância. É que, no mesmo dia em foi exibido “Clube Zero” em Cannes, foram muitos a comparar o trabalho da direção artística e do guarda-roupa do filme de Jessica Hausner ao de Anderson. A verdade é que o argumentista e realizador norte-americano, tal como acontece com Hitchcock, Cronenberg ou Lynch, já cedeu o seu nome – e a forma meticulosa e detalhada como trabalha – para um adjetivo: Andersoniano, ou seja, “um filme à Wes Anderson”. Na mente do espectador, o fulgor cénico, a arquitetura, design e fotografia das suas produções, aliados a uma coleção interminável de personagens, normalmente interpretadas por estrelas, além de sublimes movimentos de câmara (por aqui existem uns travellings e outras movimentações deliciosas) são verdadeiras formas identitárias da sua pessoa, e servem de ponto de comparação para qualquer outro que se aproxime desses traços.

Terceiro filme de Anderson a concorrer à Palma de Ouro de Cannes, “Asteroid City” tem uma potência estética avassaladora, mas quando começamos a abrir as caixas narrativas, que por sua vez estão dentro de outras caixas narrativas, qual matrioska Anderseniana, notamos que existe um caudal de ideias sobrelotadas, mas vazias, tal qual o volume (excessivo) de personagens que mais uma vez vemos em cena. O problema de muitas personagens, não é uma questão de quantidade, mas sim qualidade. A grande maioria das que vemos neste “Asteroid City” não passam de bonecos de cartão vestidos por atores famosos, sem qualquer profundidade ou interesse além da participação especial como cameos.

É a preto e branco e com um narrador nunca identificado, interpretado por Bryan Cranston, que tudo arranca, num momento em que somos informados que o que estamos prestes a ver é uma peça teatral em três atos, repleta de intermezzos, denominada “Asteroid City”. Escrita por Conrad Earp (Edward Norton), essa peça arranca quando saímos da fala do narrador para uma cidade no deserto, com 87 habitantes, e que ficou famosa pela queda de um asteroide há milhares de anos. É aí que os locais e alguns visitantes, muitos movidos por um concurso de astronomia, vão seguir uma jornada de vai e vem, com a história principal do deserto a ser complementada com cenas dos bastidores em Nova Iorque.

Se personagens como o fotógrafo de guerra Augie (Jason Schwartzman), um recém viúvo, incapaz de contar aos filhos que a esposa morreu, ou Midge (Scarlett Johansson), uma atriz de Hollywood que acompanha a filha aspirante a astrónoma, Dinah (Grace Edwards), trazem uma consciente e semi-profunda riqueza dramatúrgica, a maioria das outras, como o autor da peça (Edward Norton), o sogro de Augie, Stanley (Tom Hanks em estreia a trabalhar com Anderson), ou o gerente do Motor Court Motel (Steve Carell, também em estreia com o realizador), parecem estar em cena apenas para “a fotografia” ou para os créditos, não acrescentando um valor palpável para a história. Infelizmente, o mesmo acontece com alguns dos habitués no cinema de Anderson, como Tilda Swinton ou Adrien Brody, enfiados em aparições minúsculas sem fulgor. A sensação generalizada de vazio nestas personagens é gritante, salvando-se apenas Margot Robbie, numa pequeníssima, mas deslumbrante aparição, que numa interação recheada de palavras e amor consegue ser um oásis no meio da poeira.

Por isso mesmo, “Asteroid City” acaba por ser uma viagem por areias movediças de Anderson, mesmo que nunca estejamos perante um objeto que nos faça sentir que perdemos completamente o nosso tempo. É que, a espaços, embora de forma bem desequilibrada e no jeito tradicional de sketches Andersonianos que se colam num filme de 1h45, o espectador consegue extrair mais que o design grandiloquente, a esplendorosa movimentação das câmaras, e muitas estrelas de cinema, em todo o lado e ao mesmo tempo.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
Rodrigo Fonesa
asteroid-city-travessia-no-desertoA espaços, embora de forma bem desequilibrada e no jeito tradicional de sketches Andersonianos que se colam num filme de 1h45, o espectador consegue extrair mais que o design grandiloquente, a esplendorosa movimentação das câmaras, e muitas estrelas de cinema