Depois de um aparatoso meltdown quando soube da morte do seu avô, Rosa volta para a sua aldeia em Vale de Sarronco, um daqueles lugares fictícios que é rapidamente identificável com tantos que existem no interior transmontano. Aí vai ter de lidar com os titulares demónios que ainda habitam não só a casa em que o avô viveu, mas também toda a aldeia, numa espécie de terapia intergeracional que a vai levar a descobrir uma nova forma de viver.

A caracterização dos dois meios, urbano e rural, é feita quer pelo uso de diferentes técnicas, quer pela música e linguagem, um mais de superfícies (tão bem representado pelo 3D), de anglicismos inanes e de uso constante de tecnologias informáticas, o outro de uma materialidade (uma mistura de barro e impressão 3D, assente na imagética bestiária de Rosa Ramalho), de uma linguagem por vezes demasiado direta e de tecnologias milenares. O momento em que, quando Rosa põe os pés descalços na terra, se troca de técnica, é um daqueles momentos que deveria ficar para a história do cinema, comparável ao “abrir da tela” de “Mommy” do Xavier Dolan ou ao abrir a porta por Dorothy em ”O Feiticeiro de Oz”: um momento mágico que, mais do que um truque visual, contém toda uma panóplia de possíveis significados e leituras. Entre as duas, o constante isolamento, por vezes voluntário, outras descuidado, que caracteriza a vida de tantos nós, ainda que rodeados de pessoas, vai sendo um dos eixos em que a história vai progredindo. Felizmente, consegue também evitar a romantização da vida do campo, esse espectro da cultura popular portuguesa, do “pobrezinho, mas honrado”, mostrando a dificuldade não só de viver da terra, mas também a recusa em ajudar alguém que pertence a uma família vista como destrutiva no seu egoísmo.

É uma história simples, com um desenrolar linear, filmado com referências à linguagem dos filmes de terror e com elementos tradicionais, mas contada de forma sólida e clara. A animação é fluida e o desenho das personagens coerente e com piada. Se há um detalhe a apontar neste filme, é a forma como a passagem do tempo é difícil de ler, por vezes facilmente marcada pelo crescer das plantas ou do trabalho que vai sendo feito, outras com elipses menos explícitas. Mas esse é um detalhe menor no que é um trabalho meritório.

Pontuação Geral
João Miranda
Jorge Pereira
os-demonios-do-meu-avo-terapia-intergeracional-transmontanaUma história simples, com um desenrolar linear, filmado com referências à linguagem dos filmes de terror e com elementos tradicionais, mas contada de forma sólida e clara