Retrato de uma relação entre pai e filho com o mundo do cinema sempre em pano de fundo, o documentário assinado por Chris Smith é também um olhar, ainda que de passagem, sobre uma época em que a “contracultura” tinha uma importância e um alcance inevitavelmente diferentes dos dias de hoje. “Putney Swope”, filme basilar de uma carreira de costas voltadas para o bom gosto das coisas burguesas, é um desses filmes a que “Sr.” regressa uma e outra vez de modo a pontuar uma história que é também uma sentida homenagem ao homem-artista que a realizou, e ao homem-pai que sempre viveu a vida com a liberdade que só a arte pode oferecer.

Vida desarrumada, e por isso também muito bonita, “Sr.” toma como objeto a vida de Robert Downey Sr., pai do ator Robert Downey Jr.,  figura que acaba por dividir o protagonismo na narração do percurso de vida que o documentário procura homenagear. E é também isso que torna “Sr.” numa obra amarga, senão mesmo marcada por uma sinceridade comovente. É que, se por um lado, o documentário celebra a vida de Downey Sr., colocando em primeiro plano a forma como o cinema serviu de bússola e inspiração na maneira de viver, por outro documenta também a fase final da vida do realizador de filmes como “Balls Bluff”, “Is There Sex After Death?”, ou o já mencionado “Putney Swope”, um final onde as consequências da doença de Parkinson se vão tornando cada vez mais visíveis. É um cair de pano dramático, ainda que o documentário nunca se aproxime no que de mais sensacionalista se pudesse encontrar nesse tipo de “proximidade”, algo a que seguramente não será estranha a presença omnipresente de Downey Jr. – poderá não tê-lo sido nos créditos, mas é mesmo ele o realizador espiritual do documentário.

Filmado num preto e branco platinado. alternando entre os momentos altos (a inclusão em 2016 de “Putney Swope” no National Film Registry, a lista de filmes da história do cinema norte-americano considerados merecedores de protecção e conservação para a posteridade), e as fases mais complicadas da vida (o espírito do amor livre e das drogas deixaram as suas marcas, tanto no corpo como na dinâmica familiar), “Sr.” cumpre sem problemas de maior o seu propósito, a homenagem a um pai e ao realizador de humor mordaz, sem nunca perder um sentido crítico da dificuldade que é encontrar o ângulo mais justo para contar a história de uma vida. 

Pontuação Geral
José Raposo
sr-homenagem-a-um-pai-e-ao-realizador-de-humor-mordaz"Sr." cumpre sem problemas de maior o seu propósito, a homenagem a um pai e ao realizador de humor mordaz, sem nunca perder um sentido crítico da dificuldade que é encontrar o ângulo mais justo para contar a história de uma vida.